Correio Braziliense
postado em 04/06/2020 04:05
Ainda não se sabe ao certo quando se dará o retorno à escola. Para muitos, isso deve ocorrer no mês de julho. Mas a grande dúvida é como se dará. Por isso, as redes de ensino já começam a planejá-lo — e mais: precisa ser feito de maneira articulada, envolvendo escolas públicas e particulares, além do próprio ensino superior. É preciso que cada governo estadual crie um grupo de trabalho interinstitucional para elaborar os protocolos necessários.Nesse sentido, vejo com bons olhos o planejamento iniciado pelo estado de São Paulo, que segue esse formato sob a liderança do secretário de Educação, Rossieli Soares, de larga experiência no campo da gestão, tendo exercido a função de ministro da Educação durante parte do governo Temer.
A primeira coisa, acima de qualquer outra, é pensar na forma de acolhimento, no modo como vamos receber estudantes e professores após longo período de isolamento social. Será preciso ação multidisciplinar para apoiá-los nos aspectos sociais, emocionais, físicos e profissionais. É necessário dar atenção especial à saúde mental da comunidade escolar.
Depois, impõe-se fazer uma avaliação diagnóstica acerca da aprendizagem, do que foi possível desenvolver e aprender nos tempos de pandemia. Certamente, na volta às aulas presenciais, os estudantes vão chegar com níveis bastante díspares; e mesmo os que melhor tiverem desenvolvido as aprendizagens chegarão abaixo do esperado.
Assim, este não é o ano para avaliar o que, tradicionalmente, esperaríamos dos alunos. Não vamos supor que eles tenham, por exemplo, aprendido a estrutura das mitocôndrias. Mas, certamente, este será o ano no qual os estudantes desenvolverão como nunca habilidades tais como abertura ao novo, cultura digital, criatividade e colaboração, tão importantes para viver no século 21. Em várias ocasiões, vimos crianças e jovens ajudando os professores a usar as novas tecnologias, e até mesmo consolando-os quando alguma coisa não ia bem com a internet durante uma aula remota.
Essa avaliação diagnóstica — e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) pode ser aliado importante no processo – deve apontar caminhos para que nenhum estudante fique para trás. Os que tiverem baixo ou mesmo nenhum processo de aprendizagem no período vão precisar de atenção redobrada. A eles será preciso, por exemplo, oferecer atividades de contraturno como reforço escolar.
Para todos impõe-se elaborar planos de atividades por meio de grupos de desenvolvimento e de aprendizagem. E, para que todos, na medida do possível, consigam estar alinhados em termos das aprendizagens essenciais, é preciso que o planejamento deste ano, que em parte não foi executado, esteja integrado ao de 2021. Vamos ter que pensar em um planejamento bianual acoplado.
Vamos aproveitar a rica experiência das atividades não presenciais mediadas por tecnologias para pensar numa escola de tempo integral de atividades híbridas. Por exemplo, um dos turnos se daria presencialmente; o outro, mediante atividades não presenciais, mas ambos articulados com o projeto pedagógico.
Outra questão que se coloca, e que alguns países estão adotando, é o retorno gradual e em fases, seguindo autorização do Centro de Contingência da Covid-19 e da Secretaria da Saúde. É possível que, no que se refere ao volume de retorno diário de estudantes, haja diferentes estratégias em cada estado. Pode haver territórios que tenham sido pouco afetados e atendam maciçamente aos protocolos de segurança, e nos quais o retorno possa até ser integral; pode ser que, em outros, o retorno se dê de forma gradual e precise de forte processo de monitoramento.
Diante de tudo isso, uma coisa que não podemos admitir é a reprovação escolar. Vamos lembrar que a família de parte dos estudantes foi destroçada pela pandemia, por mortes, desemprego e conflitos internos de uma convivência prolongada em ambiente físico muito restritivo de isolamento social. Precisamos ter em mente — e colocar em prática — que este está sendo um ano diferente de tudo o que vivemos até aqui. Vamos ter de tirar as melhores lições das situações vividas e aproveitá-las para reinventar a própria escola.
* Titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da USP - Ribeirão Preto
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