Correio Braziliense
postado em 06/06/2020 04:05

Em momento histórico, no qual se acompanha uma série de manifestações contra o licenciamento ambiental afirmando-se que o excesso de burocracia prejudica o desenvolvimento sustentável e desejável do Brasil, é crucial que haja ponderações de ordem prática, contextualizadas com dados reais que apontam em sentido contrário.
Qualquer ação humana tem impacto no meio ambiente: a produção de alimentos, a construção de moradias, o transporte de pessoas e mercadorias e até o simples viver. Sendo assim, protegê-lo não é impedir qualquer intervenção nos recursos naturais — verdadeira utopia. É, isso sim, garantir que haja um processo de licenciamento capaz de avaliar, de forma correta, os impactos de cada atividade, determinando as medidas necessárias para mitigar e compensar os impactos.
Vale o exemplo da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), responsável pelo licenciamento de grande parte dos maiores empreendimentos do país. Criada há 52 anos, foi a primeira agência ambiental brasileira, considerada a melhor da América Latina e uma das mais exigentes.
Em 2019, ultrapassou a marca de 60 mil solicitações de licenciamento atendidas, superando em 16,5% os melhores índices de eficiência anteriores. Isso representou aporte de R$ 13 bilhões para a implantação de projetos de obras de grande vulto, além das licenças da indústria e do agronegócio, com reflexos diretos na economia e no aumento do mercado de trabalho.
O resultado foi obtido com respeito à legislação e à preservação do meio ambiente. O licenciamento, convém lembrar, é procedimento que permite realizar novas atividades econômicas levando em conta aspectos primordiais da proteção dos recursos naturais. Na prática, busca conjugar proteção socioambiental e eficiência no processo produtivo.
Não só. O órgão licenciador deve considerar os aspectos necessários para dar segurança jurídica ao empreendedor, de forma que a licença concedida prevaleça em caso de questionamentos técnicos e jurídicos. Novas práticas têm de ser buscadas e, por isso, o órgão pode e deve auxiliar o setor privado, incentivando novas tecnologias e modernizando as regras do licenciamento com rapidez e eficácia.
Exemplifica-se aqui com o setor sucroenergético que, recentemente, apresentou à Cetesb a possibilidade de aplicação direcionada da vinhaça no plantio de cana-de-açúcar. A nova técnica, desenvolvida para aumentar o rendimento agronômico da vinhaça usada como fertilizante, tem efeito positivo também na minimização de impactos ambientais.
A diminuição do volume aplicado e seu direcionamento reduzem ao mínimo os riscos de erosão, contribuem para o controle de insetos ao eliminar áreas de empoçamento e permitem uma ação mais precisa. O novo processo, após a análise, foi incorporado às regras do licenciamento. Com isso, estimulou a disseminação de prática mais adequada ao ecossistema.
Erra e prejudica o Brasil quem busca colocar em extremos opostos a proteção ambiental e a atividade econômica. Erra quem deposita, na falsa ideia de que as normas do licenciamento não atendem as nossas necessidades. Problemas estruturais, de gestão, de política ambiental merecem correção.
Nunca é demais lembrar que a Comissão Europeia prepara um plano para responsabilizar empresas importadoras pelos prejuízos que vierem a causar por negligência nas relações comerciais com outros países. Nesse sentido, o consumidor europeu também será informado, por meio de rotulagem e certificação, sobre a origem do produto e o risco de provocar danos ambientais.
Mais uma razão para que o licenciamento seja reconhecido como instrumento positivo para alcançar cada vez mais eficiência e segurança jurídica nas atividades econômicas, além de garantir que o Brasil mantenha a posição nas exportações de commodities.
* Professora associada da Faculdade de Direito da USP e ex-secretária do Meio Ambiente do estado de São Paulo, é presidente da Cetesb
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