Opinião

Homúnculos

Correio Braziliense
postado em 08/06/2020 04:13
“É melhor viver um dia como leão do que cem anos como cordeiro”. Uma frase dessas, assim, solta, parece ter sido proferida por um grande guerreiro. Mas não foi. Seu autor era um covarde, que não era levado a sério nem por seu maior aliado, um certo Adolf Hitler. Benito Mussolini a cunhou talvez para que fosse colocada sobre o portão do seu mausoléu, acreditando que, um dia, sua memória fosse ser reverenciada pelos italianos e por admiradores de todo o mundo. Morreu, porém, com o cadáver pendurado de cabeça para baixo, na estrutura de um posto de gasolina, e o corpo da amante Claretta Petacci ao lado.

O caráter do governo de Jair Bolsonaro fica claro a cada dia. Quando se lembra que um ex-secretário de Cultura macaqueou Joseph Goebbels e um secretário de Comunicação repetiu, disfarçadamente, os dizeres que estavam sobre o pórtico do campo de concentração de Auschwitz, a frase de Mussolini não parece deslocada. Está inserida num contexto que confirma a admiração presidencial por personagens históricos de baixa estatura.

Não é normal que um grupo de apoiadores do governo vá para a frente do Supremo Tribunal Federal, num ato que não apenas lembrou os racistas da Ku Klux Klan, mas, sobretudo, os desfiles noturnos dos nazistas, cuja coreografia formava, entre outras coisas, a suástica. Leni Riefenstahl registrou tudo em O Triunfo da Vontade, um dos seus mais importantes filmes de propaganda hitlerista.

Da mesma forma, não é normal quando representantes diplomáticos de Israel e da comunidade judaica, do Brasil e dos Estados Unidos, protestam com a comparação, feita pelo ministro da Educação, de uma ação da Polícia Federal, determinada pelo Supremo Tribunal Federal, com a Noite dos Cristais. Algumas, ainda, pediram que a bandeira israelense não fosse atrelada a manifestações de cunho extremista, como têm sido a dos apoiadores de Bolsonaro, que pedem autogolpe e fechamento do STF e do Congresso.

Também não é normal que o governo não faça a mínima referência aos 75 anos da derrota dos nazistas na Europa, ignorando o 8 de maio, campanha da qual brasileiros participaram com extremo sacrifício. Lembrei disso dias atrás, aqui neste espaço, porque a mim pessoalmente agride, já que tive um tio que lá esteve lutando contra a opressão e o genocídio.

As coisas encaixam-se perigosamente. Mussolini e figuras do mesmo diapasão só são lembradas por gente que perdeu a dimensão dos fatos — sempre implacáveis com a ignorância. As trapalhadas e a truculência do Duce fizeram com que fosse engolido pelo próprio sistema que ergueu, com a ação de personagens como Dino Grandi e o rei Vittório Emmanuelle III. Se desejarem ler a respeito, sugiro Duce — Ascensão e Queda de Benito Mussolini, de Richard Collier, e Kaput, de Curzio Malaparte. Ou qualquer obra de Primo Levi e Boris Pahor.

O único legado decente de Mussolini foi seu filho Romano, um respeitado pianista de jazz. O restante foi lixo, onde deve permanecer.



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