Correio Braziliense
postado em 08/06/2020 04:13
O Programa Emergencial de Suporte a Empregos (Pese), criado para financiar, via rede bancária, coordenado pelo BNDES, a folha de pagamentos das empresas com recursos do Tesouro Nacional e dos bancos, está sendo considerado um fiasco. Um mês e meio após o lançamento, não chega a quem precisa.Os recursos seriam usados para financiar dois meses de folhas de pagamento, com depósitos diretamente nas contas dos funcionários e juros de 3,75% a.a., equivalente à Selic na época. Do total previsto de R$ 40 bilhões, apenas R$ 1,6 bilhão chegou a 68 mil beneficiados. A previsão era atender a 1,4 milhão.
O relato de um empresário é ilustrativo: “A solicitação foi negada pelo banco porque a minha empresa está sem faturar há dois meses”. Inúmeros relatos dessa natureza evidenciam que a análise de risco impede que as mais afetadas pela pandemia acessem o crédito.
O aumento da aversão ao risco dos agentes financeiros frente à expectativa de grande aumento da inadimplência, refletida nos recordes de provisões para devedores duvidosos, torna o crédito mais caro e difícil. Essa reação é racional da perspectiva individual de cada agente.
Entretanto, no conjunto, a reação pró-cíclica do setor contribui para o agravamento do quadro econômico e aprofundamento da crise. Uma profecia que se autorrealiza. O que fazer? A ênfase no agora reflete a necessidade premente de medidas emergenciais.
A estrutura oligopolista e as mazelas decorrentes da concentração do setor bancário não serão resolvidas no bojo da pandemia. O que estamos vivendo ressalta, contudo, a importância do debate a respeito do papel do sistema financeiro no desenvolvimento econômico e social brasileiro.
O ponto de partida não pode, apenas, ser o de disponibilizar liquidez. Não foi por falta de funding que a linha de crédito fracassou. Sem solução adequada para a cobertura dos riscos e custos dos bancos repassadores, a liquidez permanecerá empoçada no BNDES.
Em relação às garantias, novas medidas estão sendo discutidas para ampliar as já oferecidas pelo Tesouro: dos atuais 85% para 100% do valor contratado. Proposta que vai na direção correta. Garantias não são condição suficiente. A identificação, análise, precificação e mitigação dos riscos as precedem e determinam em que condições o crédito será contratado.
As linhas emergenciais devem ter análise de risco compatível com o duplo choque de oferta e demanda, que levou à paralisação de setores do mercado e à queda abrupta do faturamento. Dada a excepcionalidade do momento, é imperativo que o foco esteja nas condições financeiras e operacionais da empresa antes da eclosão da covid-19.
Com acesso ao crédito, as dificuldades serão reduzidas com o fluxo de recursos e a carência para iniciar a amortização da dívida após o fim da crise sanitária. A extensão dos efeitos nefastos da pandemia para empresas, cadeias produtivas e mercados ainda estão envoltos em elevado grau de incerteza, dificultando muito a análise de riscos em cenários futuros.
Aceleração de processos de disrupção, reconfiguração em cadeias globais de valor e novos hábitos dos consumidores são alguns dos vetores que apontam para profundas mudanças sociais e econômicas nos próximos anos. As incertezas sobre o desenrolar da crise e seus desdobramentos no chamado novo normal serão determinantes para o nível do default das linhas de crédito emergencial — o que justifica a concessão de 100% de garantias pelo Tesouro.
A carência, taxas e prazos, mas também, e principalmente, as penalidades pelo não pagamento, são os mecanismos de incentivo para desestimular o risco moral e, consequentemente, a inadimplência nos contratos de crédito. O Tesouro disponibiliza funding e garante 100% das operações, os agentes financeiros viabilizam a chegada dos recursos até o tomador final.
Para que os agentes se engajem efetivamente na operacionalização das linhas de crédito emergenciais, devem ser eliminados os custos não operacionais (provisionamento e custos de observância), e os indicadores da carteira não devem impactar os balanços e resultados da instituição financeira.
O que estamos sugerindo é o agente financeiro como canal para os recursos públicos chegarem até as empresas. Uma solução transitória e emergencial. A velocidade da saída da crise dependerá da capacidade do governo de mobilizar recursos públicos para mitigar as consequências nefastas da crise nas empresas, nos empregos e nos setores mais vulneráveis da população.
As empresas, em especial as pequenas e médias, necessitam de capital de giro para sobreviver; de crédito acessível e com baixos custos de transação, eliminando-se condicionalidades. Para as mais fortemente impactadas pela crise, pode ser também necessário transferências de recursos não reembolsáveis para garantir a sobrevivência da estrutura produtiva e empregos.
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