Opinião

Artigo: Alimento, nutrição e saúde em destaque

Correio Braziliense
postado em 14/06/2020 04:24

Hipócrates, o pai da medicina, observou, há 2.500 anos, que muitas doenças se originam da natureza e podem ser evitadas quando se estabelece um equilíbrio entre o meio ambiente, os alimentos ingeridos e o espírito. Seu principal ensinamento — “o alimento é o nosso melhor remédio” — ganha especial importância neste momento em que a pandemia de covid-19 ceifa vidas, destrói a atividade econômica e ameaça a sociedade de múltiplas formas.

O estado nutricional dos indivíduos é, há muito tempo, considerado indicador de resiliência — que é a capacidade de lidar com riscos, adaptar-se a mudanças, superar obstáculos ou resistir a situações adversas.

Numa situação de pandemia, como a que vivemos, nutrição inadequada compromete a resiliência, amplificando estresses e impondo riscos adicionais à saúde física e mental das pessoas.

Como ainda não há vacina específica para prevenção ou medicamentos para tratamento dos males causados pelo vírus Sars-CoV-2, a defesa mais imediata contra infecções é um sistema imunológico saudável. A ciência moderna confirmou os sábios conselhos de Hipócrates, demonstrando que uma dieta saudável, provedora de nutrientes essenciais, é o melhor caminho para garantir às pessoas um sistema imunológico fortalecido.

Estudos têm demonstrado que nutrientes específicos, ou combinações de nutrientes, podem afetar a resposta imune por meio da ativação e modulação de múltiplos processos fisiológicos, incluindo desempenho da flora microbiana que vive no intestino humano e impacta a resposta imune. A ciência mapeou de que modo deficiências de energia, proteína e micronutrientes estão associadas à função imunológica deprimida e ao aumento da suscetibilidade a patógenos. Por sua vez, pesquisas científicas mostraram que dietas saudáveis e diversificadas podem garantir a manutenção da função imunológica e da capacidade de resistir a infecções.

A desconexão entre os sistemas alimentares e de saúde é um dos inúmeros problemas por décadas ignorado, mas agora exacerbado pela crise provocada pela pandemia. Em meio ao crescimento exponencial de infecções e mortes por covid-19 no Brasil, uma característica presente em diversos casos mais graves são as comorbidades relacionadas à má alimentação.

Médicos e cientistas apontam hipertensão, excesso de gordura, níveis elevados de açúcar, de triglicérides e de colesterol na corrente sanguínea como fatores que interferem no sistema imune e aumentam o risco associado à covid-19. Um alerta para os perigos associados ao consumo excessivo de alimentos ultraprocessados, ricos em gorduras, açúcar e sal, usualmente pobres em nutrientes essenciais à saúde.

A dura realidade é que o sistema alimentar global é hoje movido mais por interesses econômicos do que pela missão de fornecer alimentos acessíveis, seguros, nutritivos — e aceitáveis — para todos. Prova cabal de que a saúde e o bem-estar da sociedade ainda não ganharam o centro do sistema alimentar está nas estatísticas, que demonstram, por exemplo, serem doenças crônicas relacionadas à dieta responsáveis por mais de 11 milhões de mortes prematuras todos os anos. Por isso, o Relatório Global de Nutrição 2020, avaliação anual independente sobre alimentos e nutrição em todo o mundo, insta os governos, as empresas e a sociedade civil a intensificar os esforços para combater a desnutrição em todas as formas e as injustiças nos sistemas de alimentação e saúde.

O relatório mostra que uma em cada nove pessoas no mundo está com fome, enquanto uma em cada três está com sobrepeso ou obesidade, e que há um número crescente de países experimentando duplo fardo – a desnutrição coexistindo com o sobrepeso, a obesidade e outras doenças não transmissíveis relacionadas à dieta.

Enquanto isso, o progresso para cumprir as metas globais de nutrição definidas pela ONU é desalentador. Nenhum país está a caminho de cumprir as 10 metas acordadas para 2025, com apenas oito de 194 países a caminho de cumprir quatro metas. Sobrepeso e obesidade seguem aumentando rapidamente em quase todo o mundo, sem sinais de desaceleração.

O fato é que a pandemia está tornando as deficiências dos sistemas de saúde e alimentação dolorosamente claras, o que poderá forçar mais atenção a prioridades sociais, de saúde e bem-estar da sociedade à medida que o mundo sair da crise. Os atuais sistemas alimentares não permitem que as pessoas façam escolhas de dietas saudáveis, já que a maioria não consegue acessar ou pagar por alimentos nutricionalmente adequados. As cadeias de produção e suprimento de alimentos estão formatadas prioritariamente para commodities de grande volume e pouco preparadas para prover uma gama mais ampla de alimentos mais diversos e saudáveis. Infelizmente são os alimentos altamente processados, nem sempre nutricionalmente adequados, que estão amplamente disponíveis a preços acessíveis em todos os lugares.

Mas, da conjunção das crises sanitária, econômica e climática que o mundo vive, é provável que se renovem expectativas em relação à confiabilidade e ao desempenho dos sistemas alimentares no mundo. No Brasil, um país continentl, marcado pela desigualdade, é preciso ampliar a capacidade de garantir dietas seguras, saudáveis, acessíveis e sustentáveis a todos os cidadãos. Como grande exportador, o país precisará também se preparar para atender a mercados cada vez mais regulados e exigentes em diversidade, qualidade e segurança dos alimentos.

 

*Maurício Antônio Lopes é pesquisador da Embrapa 

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