Correio Braziliense
postado em 18/06/2020 04:04
Esopo, autor de fábulas imortais como A raposa e as uvas, foi escravizado por Roma. Tornou-se mordomo de uma família importante. Um dia, recebeu a incumbência de preparar um jantar digno dos convidados: o imperador, governadores de província e generais do exército. Com a ordem, veio a autorização de escolher os melhores ingredientes, sem preocupação com gastos.
O cardápio surpreendeu. Entrada, prato principal e sobremesa tinham um único ingrediente — língua. Contrariado, o senhor repreendeu o servo. Esopo disse que havia cumprido a ordem. Escolhera o melhor. É com a língua que educamos os filhos, obtemos conhecimento, conversamos com Deus.
Não convencido, o dono da casa pediu uma refeição com o que houvesse de pior. Esopo repetiu o menu. Questionado, explicou: o que há de pior do que a língua? É com a língua que caluniamos, envenenamos relações, desfazemos famílias, condenamos à morte.
A história ilustra talvez o maior desafio do ministro das Comunicações, Fábio Faria, que tomou posse ontem. Ao lado do leilão do 5G e da privatização dos Correios, da Telebrás e da EBC, sobressai a comunicação do governo. A Secom deixa o guarda-chuva do Palácio do Planalto e passa para a pasta recém-recriada.
Trata-se de área sensível, cuja condução exige habilidade e profissionalismo. Uma palavra inadequada pode gerar crises evitáveis e pôr em xeque projetos necessários para o país. Sobretudo na era das mídias sociais, “improvisações” de estadistas têm de ser cuidadosamente elaboradas.
A fala só pertence ao emissor enquanto não for enunciada. Uma vez proferida, o controle se perde. Cada pessoa interpreta a mensagem como quiser ou puder. São as narrativas, versões construídas segundo percepções ou interesses. Winston Churchill costumava dizer que estava pronto para discursar três horas, mas, para falar um minuto, precisava de dias de preparação.
Espera-se que Fábio Faria, considerado hábil negociador, atue para ampliar as pontes entre os poderes e profissionalize a comunicação governamental. O porta-voz da Presidência da República deve exercer o crucial papel de fornecer informação aos meios de comunicação. Tevês, jornais, rádios e internet, como frisou o ministro, são símbolo da liberdade de expressão.
Municiá-los de dados é estabelecer diálogo entre o governo e a opinião pública. Sem amadorismos, a equipe encarrega-se da comunicação, cujo grande desafio é ... a comunicação. Com profissionalismo. A palavra, como ensina Esopo, constrói ou destrói mundos. Depende da escolha.
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