Opinião: As tintas do ridículo

''Antes de seguir, vamos deixar claro: comunismo não existe desde a unificação das Alemanhas e do fim da União Soviética''

Correio Braziliense

postado em 22/06/2020 04:04

A trajetória de Jair Bolsonaro é alicerçada em fantasmagorias. Pregou na testa do PT um velho rótulo e deu a ele ares de verdade na assembleia geral da ONU, quando disse que por 13 anos o “Brasil esteve à beira do comunismo” — reles desonestidade que excitou os ignorantes, convictos de que o velho stalinismo, ou mesmo o maoísmo, se imporá por invasão militar. A visita que fez, em 8 de março, ao Comando Sul da Marinha americana, em Doral, do qual a 4ª Frota faz parte — e cuja área de atuação é o Atlântico Sul, costa brasileira incluída —, foi para reforçar a ideia de que o comunismo está pronto para subjugar o país. Bolsonaro ressuscitou a Ursal vista por um presidenciável caricato, num delírio místico.

Antes de seguir, vamos deixar claro: comunismo não existe desde a unificação das Alemanhas e do fim da União Soviética. Cuba e Coreia do Norte não são comunistas: são apenas ditaduras que subjugam países à primeira família e seus satélites. A China de comunista tem pouco, sobretudo no campo econômico — resumidamente, suas práticas são ultracapitalistas, a ponto passa a integrar a Organização Mundial do Comércio com o reconhecimento do Brasil.

Então, que comunismo é esse de Bolsonaro? Uma invenção que assusta os sem cultura e alimenta vermes da vida pública.

Os conceitos políticos do presidente da República estão mais de 40 anos atrasados, mas ele faz acreditar que não existe esse hiato temporal para seus jagunços. E, jagunço, como se sabe, não é pago para pensar. A ponto de alguns deles espalharem nas redes sociais que o Supremo Tribunal Federal é “comunista”. Seria burrice se não fosse perigoso. O baixo intelecto dessas pessoas contamina mais que o vírus da covid-19, que menosprezam.

Tivessem o mínimo de conhecimento de alguma coisa, voltariam aos livros para saber que o sistema jurídico dos então países comunistas eram, fundamentalmente, um braço do comitê central do partido, cuja figura mais elevada era o secretário-geral. Mesmo crimes como homicídios estavam sujeitos ao olhar político, pois, dependendo da gravidade, atentavam contra a infalibilidade que o PC impunha aos assustados cidadãos.

Seguindo a conformação soviética, e considerando algum sentido em tachar o STF de comunista, logo o Poder Executivo, equivalente ao comitê central, é comunista. Então, Bolsonaro, que é presidente e, por associação, o secretário-geral, é comunista. CQD.

Na última quarta-feira, na porta do Alvorada, Bolsonaro disse que sabe o que é terrorismo. Lembrou do atentado no aeroporto dos Guararapes, em 1966, que tentou matar o então marechal Costa e Silva, ministro do Exército e sucessor de Castello Branco. A idade do hoje presidente neste ano: 11. O que lembra deste episódio: nada. Repete o que escutou dizerem, anos depois, no pouco tempo em que foi militar. Mas o apresenta como uma ameaça iminente.

É o uso do espantalho para assustar fanáticos e incultos. “Ó tempora, ó mores”. Por quanto mais seremos obrigados a conviver com a depravação das ideias, com o insulto à inteligência, com a fraude da história.