Opinião

Opinião: Tragédia brasileira

''Enquanto escrevo essas linhas, não consigo parar de pensar que mais de 53,8 mil famílias brasileiras foram arremessadas a um luto que nem mesmo podem vivenciar por completo''

Correio Braziliense
postado em 25/06/2020 04:05
“Ficou um sorriso perdido pelo caminho. Ficaram palavras não ditas, declarações de amor esquecidas, o afago no rosto do pai, o beijo na face da filha. Pelo caminho, ficaram planos, sonhos, aniversários. Nem mesmo foi possível se despedir. Nem mesmo pensavam em partir.” Enquanto escrevo essas linhas, não consigo parar de pensar que mais de 53,8 mil famílias brasileiras foram arremessadas a um luto que nem mesmo podem vivenciar por completo. Como se, no meio de um poema, colocassem um ponto final. Como processar a dor da ausência sem poder se despedir, sem velar o corpo de um ente querido ceifado pelo novo coronavírus, mas também vítima do obscurantismo e da ignorância de um governo que minimizou a pandemia, a ponto de merecer editoriais negativos nos principais jornais do planeta?

O negacionismo não apenas nega o óbvio, como cega aqueles que nele acreditam. É como aceitar o terraplanismo como verdade absoluta, a despeito de provas cabais de que a Terra é redonda. Ou acreditar que o novo coronavírus é “comunista” e que foi disseminado de propósito pela China. Ou admitir a tese de que os atestados de óbito de dezenas de milhares de pessoas incluíram como causa da morte a covid-19 por má-fé, por desleixo ou por perseguição ao governo. Ou, ainda, incutir na mente a teoria de que o Judiciário é inimigo do Executivo, porta aberta para solapar a estabilidade institucional e a independência dos Poderes. Negacionismo com motivação ideológica-pseudorreligiosa é caminho para o desastre.

Não à toa, Estados Unidos e Brasil figuram no topo do ranking de casos e de mortes pelo novo coronavírus. Ambos são governados pela extrema-direita, que prioriza a agenda econômica e a doutrinação à saúde de seus cidadãos. Ambos ignoram a urgência de sobrevivência de seus nacionais às custas da própria sobrevivência política e do sucesso eleitoral.

Ao menos nos EUA, pesquisas indicam um fracasso retumbante do presidente Donald Trump nas urnas. Preço da inércia, ou da resposta muito tardia, à pandemia. No Brasil, não bastassem a grave crise política e a economia em frangalhos, o Executivo não demonstra o mínimo de empatia por tantas mortes, além de não tomar frente no combate à covid-19. Estão na conta dele os sorrisos, as palavras, as declarações de amor, os afagos, os beijos, os planos, os sonhos e os aniversários que ficaram pelo caminho.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Tags