Opinião

Improbidade administrativa e empresarial: novos paradigmas

''Uma das novidades da Lei de Introdução é a necessidade de que as decisões proferidas em processos punitivos levem em consideração consequências práticas e não se alicercem em valores abstratos''

Correio Braziliense
postado em 25/06/2020 04:06
No Brasil e no mundo, as legislações vêm sendo aperfeiçoadas para fortalecer o combate à corrupção. A Lei 13.655, de 25 de abril de 2018, por exemplo, conhecida como Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, trouxe conceitos que impactam substancialmente outras normas, sobretudo as leis de improbidade administrativa e de improbidade empresarial.

A Lei de Introdução é o que se chama de “norma sobre normas”, ou seja, determina como devem ser compreendidas e aplicadas as outras leis. Nesse sentido, aplica-se a todas as leis brasileiras, mas, no caso, trataremos especificamente de duas delas, que têm grande importância para empresas e agentes públicos. Com efeito, as Leis de Improbidade Administrativa e Empresarial (Leis 849/92 e 12.846/13) reprimem corrupção, enriquecimento ilícito e ineficiência ou desorganização endêmica de setores públicos e privados.

No intuito de evitar arbitrariedade e subjetivismo dos acusadores e julgadores diante do devido processo legal, as ações baseadas nessas normas devem conter descrições pormenorizadas das condutas proibidas e da jurisprudência. Já não há espaço aos caprichos dos acusadores, tampouco às técnicas arbitrárias de recurso a conceitos excessivamente vagos e ambíguos no enquadramento de comportamentos proibidos.

Uma das novidades da Lei de Introdução é a necessidade de que as decisões proferidas em processos punitivos levem em consideração consequências práticas e não se alicercem em valores abstratos. Em certa dimensão, há necessidade de fundamentação concreta, desprovida de presunções. Não se pode, portanto, apenas presumir dano ao erário como decorrência de determinado comportamento. É imprescindível que o Ministério Público aponte e demonstre o prejuízo, lastreado cientificamente.

Outra modificação diz respeito à culpa por erro grosseiro, algo que há anos já defendíamos em nossa obra Teoria da improbidade administrativa, fruto de doutoramento sob a orientação de Eduardo García de Enterría, na Universidade Complutense de Madri, quando dizíamos que a culpa somente poderia ser admitida por erro grosseiro ou grave. A nova lei fixa exatamente o conceito de culpa com base na teoria do erro grosseiro. Pode-se falar em culpa grave nesse cenário. Assim, há uma margem de erro juridicamente tolerável aos agentes públicos e privados, daí por que a mera inabilidade não pode ser classificada como prova de improbidade, tampouco a culpa leve ou levíssima.

A Lei de Introdução foi regulamentada pelo Decreto 9.830, de 10 de junho de 2019, tratando de requisitos de fundamentação das decisões judiciais ou administrativas. Mais uma vez, revelando a importância e a influência da cultura da Common Law em nosso sistema, exige-se que a decisão explicite as normas, a interpretação jurídica, a jurisprudência ou a doutrina que a embasaram.

Pela jurisprudência dos tribunais superiores, há inequívoca vinculação das ações de improbidade ao direito administrativo sancionador, regime jurídico que defendemos aplicável a essas ações desde 1999. Em razão da Lei 13.964/19 (Lei Anticrime), admite-se colaboração premiada e termo de ajustamento de conduta nas ações de improbidade, por meio do acordo de não persecução cível, denotando-se a influência do direito penal no direito administrativo sancionador.

Aplicam-se, pois, à esfera do direito administrativo sancionador, por simetria, os princípios penais, com matizes. É o momento de resgatar para possíveis acordos inúmeras ações de improbidade administrativa que tramitam na Justiça brasileira, muitas das quais fadadas ao fracasso e outras tantas marcadas pela arbitrariedade e injustiça extremas. 


* Advogado, foi ministro da AGU 

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