Opinião

O risco da volta da incompetência

''Hoje, há a percepção de que é preciso ter um diálogo aberto com o mercado, fundamental para estabelecer a melhor compra. Cabe ao gestor público, após ouvir de forma imparcial o mercado, escolher as melhores opções, criando um modelo de disputa que estimule a competição entre iguais''

Correio Braziliense
postado em 26/06/2020 04:05
''Hoje, há a percepção de que é preciso ter um diálogo aberto com o mercado, fundamental para estabelecer a melhor compra. Cabe ao gestor público, após ouvir de forma imparcial o mercado, escolher as melhores opções, criando um modelo de disputa que estimule a competição entre iguais''As contratações de tecnologia da informação nos órgãos públicos tiveram, na década de 1980, progresso significativo. Surgiram, particularmente em Brasília, empresas expressivas especializadas em informática (terminologia usada na época). Os empreendimentos supriam as deficiências estatais com novidades da tecnologia. Os integrantes do governo necessitavam de serviços de terceiros, principalmente em busca de evolução.

As empresas pioneiras trouxeram para a capital, como centro do governo federal, novas possibilidades de emprego, renda e prosperidade. Aqueles visionários perceberam que o cidadão exigiria cada vez mais atendimento digital. O sucesso da terceirização de serviços informatizados incentivou um número cada vez maior de contratantes a tomar o mesmo caminho. Empresas mais preparadas aproveitaram o momento para construir negócios milionários. Na década de 90 e começo dos anos 2000, se destacaram no ranking nacional.

Os contratos tinham duas características principais: na primeira, agrupavam a maioria dos serviços terceirizados e, na segunda, o modelo de negócio era baseado em postos de trabalho, orçados por hora/homem. Competir nesse cenário, para as pequenas e médias empresas, era impossível. Para estas, era difícil arcar com os investimentos necessários para manter equipes enormes, sem pontualidade de pagamento por parte do governo.

Hoje, há a percepção de que é preciso ter um diálogo aberto com o mercado, fundamental para estabelecer a melhor compra. Cabe ao gestor público, após ouvir de forma imparcial o mercado, escolher as melhores opções, criando um modelo de disputa que estimule a competição entre iguais. Muito antes, com poucas empresas e um modelo de contratação baseado em “contar cabeças” (hora/homem), tivemos um período de valorização da incompetência. Quanto mais houvesse profissionais alocados e quanto mais eles não produzissem, melhor.

Felizmente, intervenções de órgãos de controle e entes da administração produziram modificação no quadro. Em vez de licitar de forma conjunta diversos serviços, os editais começaram a criar segmentos especializados. Surgiram nichos para empresas com competências específicas. A adjudicação, que era global, passou a ser por lotes de serviço sempre que possível, e o pagamento começou a ser por resultado. As medições passaram a ser de unidades de serviços técnicos (UST), com entregas associadas e controladas por acordos de nível de serviço (SLA).

Os contratantes começaram a dar menos atenção à quantidade de pessoas, valorizando a quantidade de produtos entregues e modificando o ecossistema de prestadoras de serviços. Antes eram poucas e generalistas; atualmente, são milhares e com foco. Empresas menores, de nicho, passaram a ser protagonistas.

Essa grande conquista corre severos riscos. No Tribunal de Contas da União, há uma corrente que defende a volta dos modelos antigos. Há quem argumente que a evolução obtida com as contratações via UST regresse para um modelo focado na alocação de profissionais. O risco da volta da incompetência bate às portas.

As milhares de empresas que conquistaram espaço serão alijadas da competição. Empresas generalistas, mas com grande disponibilidade de capital, poderão comprar os contratos, com margens ínfimas. Afinal, basta suprir os profissionais que a administração demanda. A eficiência na execução dos serviços, com compartilhamento de recursos, composição dinâmica de equipes, aplicação correta de métodos e técnicas inovadoras, desaparecerá, como fruto de um modelo de alocação estática de pessoas.

Perde o mercado, perdem os contratantes, perde o cidadão, dentro de configurações presentes na Lei 12.349/2010, que alterou a Lei 8666/94. A compra pública, antes de ser um direito da administração, é um bem da sociedade. Modificações tão graves quanto as que estão sendo construídas intramuros têm potencial de prejudicar empresas, contratantes e cidadãos. São inadmissíveis.

Somente se pode evoluir nessa matéria respeitando o diálogo. O Sinfor, representante oficial do ecossistema de tecnologia da informação do DF, mostra o iminente risco dessas decisões. Reforçamos nosso pedido de entendimento num ambiente de debate público e transparente.


* Presidente do Sindicato das Indústrias da Informação do Distrito Federal (Sinfor) 

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