Correio Braziliense
postado em 28/06/2020 04:15
Dia 28 de junho é uma data especial para nossa história. Muitos nem sequer sabem, mas foi em Nova York, em 1969 com a Revolta de Stonewall, que parte dos direitos que conquistamos e usufruímos hoje começa a ser construída. Naquele ano, centenas de LGBTQIA+ se rebelaram no bar que nomeia a revolta contra a violência policial, contra as proibições do Estado e contra o cercamento moral da sociedade. O levante mostrou que os institucionalmente sem direitos, que tinham a afetividade e identidades criminalizadas, existiam, resistiam e estavam fartos de tanta violência e da criminalização dos afetos e diversidade.
Desde então, milhares de homens e mulheres, mundo afora, foram empoderados em suas lutas; uma revolta no centro do capitalismo global serviu como estopim para que movimentos LGBTQIA de diversos países passassem a gritar mais alto, até serem respeitados e ouvidos de verdade. Se estivéssemos em tempos normais, neste período cidades estariam com ruas ocupadas por milhares de LGBTQIA lutando por direitos e vivendo os afetos livremente. Mas estamos em meio a uma pandemia, e aglomerações não são permitidas. Infelizmente, entretanto, não é só a covid-19 que tem assombrado quem diverge da hétero e cisnormatividade.
Quem diria que, após termos vivido avanços significativos em nossas conquistas e termos, hoje, o direito civil de nos casarmos, a violência homotransfóbica criminalizada, a retificação de gênero permitida e a ampliação de uma agenda cultural da diversidade tão massificadas, voltaríamos a temer a onda obscurantista, conservadora e reacionária que tanto nos amedrontou ao longo dos anos. No ano passado, Quelly da Silva teve o coração arrancado. O assassino matou a travesti, arrancou e guardou o coração dela como prova de triunfo. Não, não se trata de caso isolado.
O Atlas da Violência 2019 teve a primeira edição com recorte focado na população LGBTQIA . Os números revelam o que nós sentimos na pele todos os dias: as denúncias de lesão corporal contra LGBTQIA cresceram mais de 50% nos últimos anos. O Grupo Gay da Bahia contabiliza uma morte por LGBTIFobia a cada 20h no Brasil. Por mais que se indispor ao bolsonarismo seja quase consenso entre o brasileiro médio, já que a sua política — e, em especial, a condução em relação à crise de saúde pública que vivemos – é no mínimo desastrosa, as pessoas LGBTI têm motivos a mais para temer e repudiar esse universo. Os ataques discursivos e diretos que Bolsonaro e asseclas proferem reiteradamente são o óleo que azeita a arma apontada para nossa cabeça.
Menina veste rosa e menino, azul, proibição de financiamento estatal para produções audiovisuais de temática LGBTQIA , recolhimento de história em quadrinho com beijo gay, suposta ideologia de gênero, retirada das LGBTQIA das diretrizes de direitos humanos, preferir que um filho morra a ser LGBTI não são situações ou falas isoladas. São peças de uma engrenagem que odeia a diversidade, de um universo que tenta a todo curso nos colocar em caixas ou nos trancar de volta em armários e guetos.
É gratificante, entretanto, perceber que, apesar de o conservadorismo avançar, a onda das nossas cores não se deixa calar ou parar. Pablo Vittar, Jean Wyllys, Erika Hilton, Erica Malunguinho, Liniker, Ludmilla, David Miranda, Ney Matogrosso, eu e tantos outros, com visibilidade ou não, seguimos orgulhosos de nossos corpos, de nossos afetos e de nossas existências.
Minha trajetória é grande exemplo disso. Hoje sou o primeiro gay assumido a ocupar uma cadeira de deputado distrital. Estar nesse posto representa não só uma vitória pessoal, mas a megafonização de tantas vozes e anseios. Minha afetividade, por si só, é, além de incômodo para as estruturas de poder vigentes, a mola propulsora para a dinâmica de fortalecimento das pautas das pessoas LGBTQIA . Como diz o conceito africano ubuntu: “Eu sou porque nós somos”.
Querem nos derrubar, nos silenciar, mas, assim como nossas irmãs e irmãos que resistiram em Stonewall, nós aprendemos a gritar. Gritar muito, muito alto e exigir o que é nosso por direito. Nossa diversidade brilha e incomoda os que são limitados, mas não será nunca apagada, façam o que fizerem. Seguiremos!
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.