Opinião

Opinião: Um mal camuflado

''Dados do Disque 100 - canal de denúncias do governo federal - mostram que os predadores sexuais são, principalmente, pais e padrastos. Tios, irmãos, avôs e amigos da família também aparecem com frequência''

Correio Braziliense
postado em 29/06/2020 04:13
Somente agora, já adulta, uma professora do interior da Bahia conseguiu superar o temor e revelar que sofreu abuso sexual na infância e na adolescência. Numa mensagem em vídeo, denunciou dois tios e um amigo da família. “Tenho 26 anos, e ainda dói bastante”, contou Flávia Santos. “Todos esses anos sofrendo calada, quieta. Até que minha irmã teve coragem e postou no grupo da família que foi molestada quando criança pelo mesmo tio que me molestou. Então, resolvi falar, denunciar.” Ela também registrou um boletim de ocorrência.

Na postagem, a professora alertou para “um mal inserido no nosso dia a dia, um mal silencioso, camuflado”. É o que apontam estatísticas: a maioria dos abusos ocorre no ambiente familiar, o que torna o crime ainda mais sórdido e difícil de ser combatido.

Dados do Disque 100 — canal de denúncias do governo federal — mostram que os predadores sexuais são, principalmente, pais e padrastos. Tios, irmãos, avôs e amigos da família também aparecem com frequência. Ou seja, a casa, onde deveriam estar em segurança, é o lugar onde crianças e adolescentes ficam mais à mercê de seus algozes. Os demais integrantes do núcleo familiar não percebem a atrocidade ou se calam para preservar sua “harmonia”.

As vítimas costumam aguentar tudo em silêncio porque o molestador é alguém da família ou conhecido, porque são ameaçadas, têm vergonha ou sentem-se culpadas. Muitas não relatam, também, por não compreenderem que estão sofrendo abusos. “Eu só vim entender que tinha sido violentada, molestada, estuprada, aos 18, 19 anos”, confirma Flávia, no vídeo.

Há outra face cruel dessa barbaridade. Quando crianças e adolescentes denunciam a violência são, comumente, desacreditados, inclusive, pela própria família. Foi o que aconteceu, agora, com Flávia, mesmo já adulta. A mãe questionou as acusações dela, e parte dos parentes a defenestrou. “Perguntaram como eu tinha coragem de fazer isso, se não pensava na dor deles. Acaba que não pensam no que aconteceu com a gente”, lamentou.

Vítimas de abusos podem não conseguir denunciar, mas emitem sinais: tornam-se agressivas, têm comportamentos sexuais, queda de rendimento escolar, depressão, insônia, falta de apetite. Pais ou responsáveis devem orientar as crianças. Explicar, por exemplo, quais são as partes do corpo que não podem ser tocadas por outras pessoas e questionar se alguém as tratam de forma desconfortável. Informadas, elas vão conseguir contar mais rápido se forem vitimadas. O diálogo ajuda a prevenir ou a descobrir violações.

Quem souber de abusos contra meninos ou meninas deve denunciar nos conselhos tutelares, em qualquer delegacia, por meio do Disque 100 ou do aplicativo Proteja Brasil. Flávia destacou a importância da iniciativa. “Esse meu tio está sob suspeita de ter molestado também a enteada (de 14 anos). Talvez, se eu tivesse falando antes, ele não teria feito isso com ela também. O melhor a se fazer, gente, é denunciar. Denuncie, denuncie. Vamos proteger nossas crianças.”

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