Opinião

Crise migratória em contexto de pandemia

''A pandemia pode pôr em risco o trabalho de anos de coordenação e apoio. O risco de que o avanço alcançado até agora seja jogado ao lixo é altíssimo e precisa do trabalho de todos para ser evitado''

Correio Braziliense
postado em 29/06/2020 04:13
A covid-19 chegou ao mundo e obrigou todos, sem exceção, a mudarem a rotina. O vírus tem mostrado que os grupos vulneráveis são severamente afetados não só pela falta de acesso aos sistemas de saúde e serviços básicos, mas, também, pela interrupção dos meios de vida, produto da restrição das atividades, que tem gerado aumento significativo da vulnerabilidade em pessoas com menor acesso a recursos físicos e financeiros.

Os migrantes e refugiados representam um dos grupos com maior vulnerabilidade social pela dificuldade que têm para acessar as oportunidades e a baixa capacidade econômica por terem abandonado o país de origem na busca de meio de sobrevivência e desenvolvimento para eles e os familiares. Agora, eles se veem afetados por uma crise global que não vislumbra cenário promissor durante os seguintes meses ou anos.

A migração venezuelana representa o maior fenômeno de mobilidade humana em nosso hemisfério deste século. O Brasil estruturou a Operação Acolhida com o objetivo de prover apoio humanitário e integração dos migrantes aos meios de vida nacional. Mas, ainda, temos lacunas a superar para poder gerar o nível de integração na sociedade que todo ser humano precisa para se desenvolver integralmente.

A pandemia pode pôr em risco o trabalho de anos de coordenação e apoio. O risco de que o avanço alcançado até agora seja jogado ao lixo é altíssimo e precisa do trabalho de todos para ser evitado. Definitivamente, o futuro de um país está na sua infância. Como as crianças venezuelanas reconhecem esse período? Foram realizadas entrevistas nos três estados brasileiros (Amazonas, Roraima e São Paulo) onde a World Vision tem programas de resposta à crise migratória do país vizinho.

A situação das crianças migrantes na época de covid-19 é crítica. Três em cada quatro que residem no Brasil vivem em local de ocupação espontânea. A maioria (77%) não frequenta a escola ou porque as aulas foram suspensas, ou porque não estão matriculadas. Um terço não mora com os pais. Muito poucas têm acesso à TV e rádio. Quase dois terços disseram que alguém da casa deve sair para trabalhar e que precisavam encontrar um local mais barato para morar.

A discriminação é um dos aspectos que mais as afetam. Metade disse que percebia um tratamento negativo de algumas pessoas. Dois terços sofrem discriminação devido ao status de migrantes. Apesar desses detalhes, as crianças têm algum senso de segurança e proteção, porque possuem informações sobre os riscos da covid-19 fornecidos em grande parte por uma ONG. A maioria (80%) sabe para aonde ir se precisar de ajuda por qualquer dano causado a elas — os pais e a família são os primeiros a quem recorrer para buscar proteção e ajuda.

As organizações como a World Vision terão que continuar os investimentos em uma forma coordenada com os outros atores humanitários, sistema ONU, sociedade civil e governos para gerar o maior impacto possível na vida das pessoas, capaz de promover uma cadeia de recuperação dos meios de vida e serviços para as populações que aqui chegaram tangidas pela necessidade. Este é o momento certo para começar a olhar os migrantes e refugiados como atores-chave que precisam de apoio, mas, que também podem apoiar o país no processo de recuperação e desenvolvimento.

Chegou o momento no qual o potencial humano será mais que relevante para gerar um novo mundo, um mundo em que as nacionalidades sejam igualadas para lutarmos juntos por um objetivo comum: garantir os mesmos direitos a todos sem deixar ninguém para trás.


* Diretor de Resposta Humanitária da ONG Visão Mundial 

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