Opinião

20 anos da Carta da Terra: afirmação de nova sociedade global

''O texto afirma que, diante do momento crítico em que a Terra se encontra, a humanidade deve escolher seu caminho: ou somamos forças para gerar sociedades sustentáveis, ou sucumbiremos todos, pois formamos com o planeta uma grande comunidade de vida''

Correio Braziliense
postado em 29/06/2020 04:13
Movimentos ecológicos, pacifistas, humanistas e espirituais há muito indicam a existência de sintomas socioambientais reveladores, como diria o filósofo francês Edgar Morin, de uma espécie de “agonia planetária”. Eles registraram, há 20 anos, os caminhos para a superação da crise, expressos em um documento: a Carta da Terra, lançada na Rio 92. Em 2000, a carta foi consolidada com a adesão de mais de 4.500 organizações de todo o mundo. Ela completa 20 anos e ainda é atual, emblemática e desafiadora, sobretudo nestes tempos difíceis que vivemos.

O texto afirma que, diante do momento crítico em que a Terra se encontra, a humanidade deve escolher seu caminho: ou somamos forças para gerar sociedades sustentáveis, ou sucumbiremos todos, pois formamos com o planeta uma grande comunidade de vida. A Terra está doente e não é só pela pandemia da covid-19. As agruras sanitária, climática e econômica, somadas a outras de natureza ética, moral, social e política, formam um conjunto multifacetário ao qual se dá o nome de crise civilizatória, pois diz respeito à condição humana no mundo.

Cientistas acham que chegamos ao não retorno com a destruição dos ecossistemas, desflorestamentos e uso de energia fóssil insustentável e poluidora. Afirmam como inevitável o agravamento do aquecimento global. Por isso Greta Thunberg e o movimento Jovens pelo Clima gritam que estamos colocando em risco o futuro, não agindo com a devida urgência para enfrentar a emergência climática que pode acarretar a extinção de milhares de espécies, a elevação do nível do mar, secas, regimes de chuvas alteradas, derretimento das calotas polares, aparecimento de novas doenças (vírus e bactérias) e apuros sociais e econômicos cada vez mais frequentes.

O atual modelo de desenvolvimento, além das externalidades conhecidas como o aquecimento global, destruição dos oceanos e demais ecossitemas, trazendo desequilíbrio e sofrimento para todas as formas de vida, é fonte de crescente desigualdade social decorrente da concentração de renda. As 26 pessoas mais ricas do mundo detêm a mesma riqueza dos 3,8 bilhões mais pobres (ou 50% da humanidade). O consumo, em que alguns esbanjam em detrimento de milhões que não possuem sequer condições mínimas de vida digna, é insustentável.

A Carta da Terra afirma que as crises citadas decorrem de crise maior, que permeia todas: a crise ética profunda. A visão que justifica as iniquidades, segregações e discriminações como se fossem naturais está na origem do pensamento dominante e do velho paradigma desenvolvimentista antropocêntrico, patriarcal e racista. Essa concepção tem gerado mobilizações migratórias continentais de milhões, conflitos étnicos e raciais, xenofobismo e totalitarismo político, negativismo da ciência, dogmatismos religiosos, disputas por territórios e degradação dos espaços naturais.

A pandemia atinge a todos e leva necessariamente à reflexão sobre o futuro de cada indivíduo, cada país e da humanidade. Esse futuro não está determinado. Certamente, diante do sofrimento presente, muitos imaginam que tem de haver mudanças rumo a um mundo melhor. Mas é preciso admitir que também pode piorar, com mais fechamento, mais discriminação, mais preconceito, mais desigualdade social e degradação ambiental.

Por isso é tão importante comemorar os 20 anos da Carta da Terra e torná-la viva e atual. Ela é uma espécie de mapa sensível e inteligente para um redirecionamento promissor pós-pandemia: respeitar e cuidar da comunidade de vida, integridade ecológica, justiça social e econômica, democracia, não violência e paz. Esses princípios éticos permitem as ramificações de ações que podem construir um porvir melhor para novas gerações das espécies do planeta. E permitem, principalmente, mudar a chave do desenvolvimento, criar parâmetros de crescimento, riqueza, delimitados por valores coletivos, humanos, espirituais.

Nesta segunda-feira, 29 de junho, personalidades socioambientalistas nacionais e internacionais estarão, juntas, no Festival da Carta da Terra, no YouTube, para lembrar que há um futuro pós-crise e todos nós temos que nos responsabilizar por ele.

Coordenador da ONG Associação Alternativa Terrazul e da Teia da Carta da Terra Brasil

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