Opinião

Este não será um ano perdido

''Mais do que perguntar aos estudantes o que aprenderam com as aulas on-line, é importante verificar como eles estão se sentindo, quais são os medos, os anseios e as alegrias que permeiam o retorno à sala de aula''

Correio Braziliense
postado em 02/07/2020 04:05
''Mais do que perguntar aos estudantes o que aprenderam com as aulas on-line, é importante verificar como eles estão se sentindo, quais são os medos, os anseios e as alegrias que permeiam o retorno à sala de aula''As redes e sistemas de ensino do país começam a preparar os planos de retorno às atividades presenciais. O Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação (Consed) já elaborou um documento que deverá servir de orientação para as redes estaduais que muito vai contribuir para o texto normativo que o Conselho Nacional de Educação (CNE) está preparando em colaboração com o Ministério da Educação (MEC), num esforço que também envolve os secretários municipais de Educação, por meio da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).

Nessa direção também se inclui importante contribuição das fundações e dos institutos de empresas, que vai de protocolos sanitários baseados nas experiências de outros países a apoio para efetivar uma avaliação das aprendizagens no período da pandemia. No ambiente de profunda tristeza, em razão da perda de milhares de vidas pela covid-19, é gratificante verificar o comprometimento de todos na construção de pontes sólidas para o retorno.

No âmbito de construção coletiva, fica evidente que a primeira coisa a fazer, resguardando-se os cuidados sanitários, é trabalho de acolhimento da comunidade escolar, incluindo as famílias. É preciso cuidar da saúde mental dos alunos, professores e funcionários após o longo período de isolamento social, cujo nível de estresse pode ter sido ampliado pelo falecimento de entes queridos durante a pandemia, sem falar nos eventuais impactos causados pela perda de emprego e incertezas produzidas pela crise sanitária.

O acolhimento é prática intencional que permite a integração, o diálogo e a troca de experiências. Deve estar explícito no replanejamento para que se dê de forma estruturada e frequente porque, em uma única ação, não será possível abarcar e elaborar tudo o que foi vivido durante o afastamento das aulas. É importante que as escolas comecem já a construir canais de escuta com as famílias para compreender como as crianças, os adolescentes e os jovens estão se sentindo e quais foram as mudanças ocorridas no período, a fim de promover ação mais adequada e eficaz.

Mais do que perguntar aos estudantes o que aprenderam com as aulas on-line, é importante verificar como eles estão se sentindo, quais são os medos, os anseios e as alegrias que permeiam o retorno à sala de aula. Dessa forma, será possível vislumbrar novas práticas pedagógicas e ressignificar os afetos que moldam e constroem os aprendizados.

Talvez os alunos não tenham, de fato, absorvido tudo ou quase nada daquilo que deles se esperava no que concerne às aprendizagens essenciais tradicionais, mas, certamente, devem ter desenvolvido como nunca algumas das habilidades socioemocionais — tais como criatividade, colaboração, resiliência e pensamento crítico — tão importantes para viver o século 21 e, por isso mesmo, estão presentes na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). 

É natural que os pais fiquem apreensivos com o fato de os filhos não terem aprendido o que estava planejado no início do ano. Por isso, é importante que, depois de estabelecer os cuidados sanitários e o processo de acolhimento socioemocional, se faça uma avaliação diagnóstica capaz de aferir o que cada estudante aprendeu no período, seguida de um trabalho que garanta que nenhum deles fique para trás.

Isso significa esforço para oferecer aulas de reforço escolar, se possível no contraturno, acompanhadas da criação de grupos de WhatsApp entre alunos, nos quais os mais adiantados possam ajudar os que apresentarem maiores dificuldades. Na pandemia, vimos, como nunca antes, a criação de grupos desse tipo, que também incluem a participação dos professores. Além disso, pode ser que seja inevitável que o calendário escolar de 2020 se estenda até janeiro ou mesmo fevereiro do próximo ano.

E será também inevitável que o planejamento de 2021 esteja fortemente imbricado com o de 2020 para suprir aprendizagens não desenvolvidas. Uma coisa é certa: este não será um ano perdido. Muito pelo contrário: estamos aprendendo muitas outras coisas. Entre elas, saber como lidar com o desconhecido. Apesar do sofrimento, medo e angústia, voltaremos mais fortes.
 
 
* Titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da USP-Ribeirão Preto.
 
** Especialista em educação socioemocional com pós-graduação em psicologia política pela USP-São Paulo 

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