Correio Braziliense
postado em 04/07/2020 04:14
Como bem retratou Kleber Sales, na charge de sexta-feira, “agora é cada um por si”. Ao liberar, por decreto, o funcionamento geral de comércio, indústria e até escolas, o governo normatizou o que, na prática, infelizmente, já vinha acontecendo: o fim do isolamento social. Um erro que, espero estar enganada, ainda significará a perda de muitas vidas.
Outro dia, uma amiga compartilhou no Instagram um texto que resumia bem meu sentimento. Dizia estar se sentindo uma otária por ter ficado em casa todo esse tempo, ainda que, ao fazer isso, tenha salvado muitas vidas. Gostaria de dar o crédito correto à autora da “carta aberta aos otários que ainda estão em isolamento”, mas ela se apresenta na rede apenas como @majonezbdfk e se define como editora de documentários.
Eu me orgulho muito de ter sido — e de ainda ser — esse tipo de otária. Claro que esse imperativo não partiu de mim, mas da comunidade científica: a única esperança de determos o avanço do vírus ainda é o isolamento social. Um estudo da Universidade de Brasília (UnB), publicado no fim de março, ainda no início da pandemia, estimava que, se não houvesse qualquer medida de intervenção, cerca de 70% da população da capital seriam expostam ao novo coronavírus.
Segundo essa pesquisa, 7 mil pessoas teriam morrido, na capital federal, ao longo de 156 dias, se não tivéssemos adotado a quarentena. Isso considerando que o vírus mata, em média, 2% dos infectados. Como, até ontem, pouco mais de 100 dias após a publicação do estudo, computávamos “apenas” 588 óbitos, fico feliz de saber que a atitude de tantos otários que ficaram em casa ajudou a salvar muitas vidas.
Eu e minha família seguimos firmes no isolamento, principalmente neste momento em que a ocupação dos leitos de UTI chega a 100%. O duro mesmo é explicar para uma criança de 7 anos, confinada há mais de 100 dias em um apartamento, que ela não pode descer para brincar com os coleguinhas do prédio — muitos dos quais voltaram a frequentar o pilotis. Ou, para um adolescente de 13, que o convite para uma volta de bicicleta com os colegas vai ter que ficar para Deus sabe quando.
E pior: como explicar a meus filhos que eles não voltarão para a escola no próximo dia 27? Sim, porque a decisão já foi tomada aqui em casa: se nem nos países onde a situação está sob controle as aulas foram completamente normalizadas, como posso expô-los a tal risco desnecessário? Crianças e adolescentes não estão imunes ao vírus, assim como são importantes agentes transmissores. Não permitirei que nosso sacrifício, sobretudo o deles, tenha sido em vão.
Mais que apenas buscar a proteção da minha família, essa atitude se volta para o que acreditamos ser nossa obrigação cidadã. Viver em sociedade é pensar no coletivo, fazer sacrifícios em nome de um bem maior, ter empatia pelo outro. Infelizmente, espírito de coletividade e empatia são ideias ignoradas por tantos brasileiros. Dessa forma, seguiremos no isolamento, conscientemente, como otários.
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