Correio Braziliense
postado em 06/07/2020 04:21
Ninguém quer que as escolas continuem fechadas. O fechamento acarreta uma série de problemas, como o aumento de desigualdades educacionais e sociais, insegurança alimentar, o aumento de abusos, a diminuição da produtividade das famílias. Além disso, para crianças e jovens mais carentes, a educação salva vidas. Ela não dá, apenas, segurança, proteção e alimentação, mas estimula a esperança em dias melhores.No entanto, a decisão pela reabertura deve ser cuidadosa e responsável, sendo pautada pela ciência e pelas melhores práticas. Os países que reabriram as escolas haviam controlado o nível de contágio e conseguiam identificar e controlar os surtos possivelmente causados pela reabertura. Alguns deles tiveram de rever a decisão. No Brasil, houve casos de escolas que decidiram reabrir precipitadamente e causaram surtos nas cidades. Barbacena, por exemplo, tornou-se a cidade de Minas Gerais com a maior taxa de infectados por covid-19.
É verdade que as crianças são menos propensas a se infectar pela doença do que os adultos. Mais precisamente, elas têm cerca de metade da probabilidade, de acordo com pesquisas americanas e europeias recentes. Uma delas constatou que crianças e jovens de 17 anos ou menos, que representam 22% da população, significam menos de 2% das infecções confirmadas nos Estados Unidos. É também verdade que a maioria dos menores de idade não tem sintomas ou tem sintomas leves.
No entanto, a ciência ainda não sabe o quanto crianças e jovens podem servir de vetores do novo coronavírus para os familiares e todos que vivem na mesma casa. De acordo com Jeffrey Shaman, especialista em doenças infecciosas da Columbia University, as conclusões são contraditórias. Ainda não há consenso científico.
Ademais, lembremos da realidade de nossas escolas. Há, no Brasil, mais de 10 mil escolas que não têm nenhum banheiro, e metade não conta com saneamento básico. No DF, há um número considerável de escolas com turmas superlotadas e falta de profissionais da limpeza. Nesse contexto, é bem improvável que boa parte de nossas escolas consiga seguir os protocolos de saúde, como distanciamento de alunos e professores, utilização de máscaras, higienização constante, e a identificação e o controle de focos de surtos.
É crucial que nossas escolas tenham a capacidade de responder com flexibilidade, monitorando de perto possíveis surtos e fechando rapidamente sempre que necessário. É compreensível que haja muita pressão dos pais para manter os filhos seguros, e muitos ainda não se sentem à vontade para mandá-los de volta à escola. Um grupo de pais do Distrito Federal criou abaixo-assinado contra a reabertura nas próximas semanas.
A experiência internacional, a realidade das escolas brasileiras e os protocolos criados por organismos internacionais comprovam que o momento não é adequado para a reabertura. A ansiedade pela reabertura para atender a uma demanda social de volta à normalidade ignora a impossibilidade de fazê-lo. É hora de reafirmar que cada vida conta, de nos colocarmos no lugar dos familiares que perderam entes queridos por causa de uma realidade que poderia e deveria ser diferente.
Toda e qualquer decisão que não seja baseada em evidências científicas nos afastará da tão sonhada normalidade, com impacto direto em vidas humanas e efeitos irreversíveis no futuro político. Esperemos que governadores, prefeitos e os outros representantes eleitos avaliem a situação com a cautela que a conjuntura requer e ajam com responsabilidade e integridade. Qualquer ga-nho político imediato não se sustentará diante do caos que já se instalou e reflete inversamente com a responsabilização de quem tem o poder de decisão.
* Foi secretário de Educação do DF
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