Opinião

O dia seguinte

''Dizem os especialistas que o país está perto de retomar o desenvolvimento. Os sinais seriam positivos. Ao que parece, as ideias de Paulo Guedes perderam o bonde da oportunidade''

Correio Braziliense
postado em 07/07/2020 04:25
''Dizem os especialistas que o país está perto de retomar o desenvolvimento. Os sinais seriam positivos. Ao que parece, as ideias de Paulo Guedes perderam o bonde da oportunidade''A pandemia provoca consequências imprevisíveis. No meu caso,  teve a virtude de acabar com um grupo de conversa, discussão e xingamento recíprocos que alguns velhotes, entre eles eu, fazíamos de tempos em tempos para ajustar o foco, debater política e falar mal uns dos outros. A turma hoje se fala por intermédio das ferramentas da internet. Mas não se parece em nada com aquele bando de entusiasmados que discutia à sombra de um bom vinho português. Só restou o vinho, mas bebido em solitário, porque o garçom foi despedido e o bar não existe mais. A quarentena pegou pesado.

Os desvarios do presidente fizeram surgir na nossa pauta a relação Bolsonaro e militares e, ainda, a possibilidade de os países desaparecerem. Acrescento que conheci a União Soviética em 1980. Fiquei uns dias em Moscou e depois estiquei a viagem até a cidade de Tashkent, no Uzbequistão. Viagem espetacular. Conheci o mundo comunista com olhos de ver. Curiosidade. Entender o funcionamento das instituições. O país era e continua a ser admirável pela sua história. A Rússia de hoje descende daquela experiência iniciada por Lenin e controlada depois com mão de ferro por Stalin.

A União Soviética era constituída por 15 repúblicas igualmente comunistas comandadas de maneira centralizada pelo governo de Moscou. Tudo funcionava e tudo era controlado. Segurança absoluta e censura total. Pensamento único, jornal único e partido único. O Partido Comunista da União Soviética tinha e ainda tem representações ostensivas ou não em diversos países do mundo. Determinado dia, a burocracia travou de maneira surpreendente e definitiva. Mikhail Gorbatchov descobriu a realidade. Começou a abrir e desburocratizar. De um dia para outro, a União Soviética desabou e desapareceu. Isso ocorreu em 1991. Onze anos antes, quando estive lá, isso parecia inadmissível. Mas num estalar de dedos o mundo comunista se evaporou.

Em outro momento atravessei o muro de Berlim. Parti da estação Zoo, passei pela vexatória situação de comprar marcos alemães orientais por preço absurdo. Paguei porque queria tomar a boa cerveja produzida pela Alemanha Comunista. Retornei a tempo de assistir magnífico concerto na Sinfônica de Berlim, que naquela noite executou a Nona de Beethoven. Na banda oriental também tudo parecia normal, meio triste, porém normal. Não havia pobreza ostensiva, como existe no Brasil. Esta sociedade produzida pelos seguidores de Stalin desapareceu do dia para a noite. O muro caiu e as pessoas saíram correndo para o ocidente. A história não registra movimento em sentido contrário. 

O Brasil é constituído de regiões bem definidas.  A Amazônia, por exemplo, só se tornou brasileira em agosto de 1823, quando a Marinha, comandada por mercenários ingleses, ameaçou bombardear Belém. Até então, era território português. São Paulo é um país amigo, às vezes. São nações dentro da nação. É difícil manter essa turma junta. Desde os tempos do Império, os fatores que mantém os brasileiros unidos são o idioma, o coletor dos impostos e as forças armadas, que conhecem todo o território nacional e nele praticam os mesmos protocolos. A Igreja também está em todo o território nacional, porém seu comando é externo. E as suas razões são próprias, internacionais, decididas pelo papa, em Roma. 

Dizem os especialistas que o país está perto de retomar o desenvolvimento. Os sinais seriam positivos. Ao que parece, as ideias de Paulo Guedes perderam o bonde da oportunidade. Ingleses querem agir como o presidente Franklin Roosevelt e produzir um New Deal à moda britânica. Os norte-americanos estão despejando bilhões de dólares na sua economia. Economistas aqui e alhures ameaçam com o fim do mundo, por causa da relação dívida e produto interno bruto. Muito elevada. Mas é assim na Itália, na Inglaterra, no Japão e, sem dúvida nos Estados Unidos, com a diferença que eles imprimem dólar.  

O conjunto Bolsonaro&filhos sentiu o golpe. Depois da prisão de Fabrício Queiroz e das ações judiciais contra os meninos tudo mudou. Surgiu a trégua inesperada. A possibilidade de impeachment apareceu na linha do horizonte. A retomada da economia deve ter o objetivo primordial de gerar empregos. Dívidas se pagam a longo prazo. O Brasil já enfrentou bem este problema. Delfim Neto conhece a fórmula. Se a gestão ficar presa a dogmas universitários, a diversidade entre os brasis poderá produzir força política com a intensidade semelhante à de uma pandemia. O enigma é saber se os militares vão sustentar o presidente zona oeste. Este é o risco do dia seguinte.  

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