Opinião

Retomar cirurgias de câncer nas mãos certas

''O cuidado ao paciente é definido a partir de protocolos que se baseiam no conhecimento de que dispomos sobre câncer e, ao postergar o tratamento proposto, são reduzidas as chances de sucesso''

Correio Braziliense
postado em 08/07/2020 04:16
Quando houve o anúncio da pandemia de Sars-CoV-2, pouco se sabia qual poderia ser o impacto da covid-19 no Brasil. Passados quase quatro meses, é notória a sua sobreposição em outras doenças, como o câncer. Em levantamento que fizemos pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica, sete entre 10 pacientes com câncer ou com suspeita de tumor deixaram de ser operados entre março e junho.

Muitos dos pacientes, cujo tumor tinha perfil biológico que não indicava progressão durante os primeiros meses de pandemia, foram orientados a ter a cirurgia eletiva adiada. Por sua vez, vimos que uma grande parcela dos pacientes com doença avançada ou maior risco de progressão não se sentiram seguros em operar por medo de contaminação.

O cuidado ao paciente é definido a partir de protocolos que se baseiam no conhecimento de que dispomos sobre câncer e, ao postergar o tratamento proposto, são reduzidas as chances de sucesso. Conforme a doença avança, são necessárias cirurgias mais extensas e potencialmente mais mutiladoras, com menor capacidade de controle e maior impacto físico, emocional e econômico.

No cenário de indefinição de quanto tempo mais a covid-19 seguirá com a curva crescente de novos casos e mortes no Brasil, é fundamental que a população saiba que o câncer não se isola da humanidade durante a pandemia. Não só o paciente oncológico deve seguir o tratamento discutido com o médico, como também os que estão em fase de remissão precisam se manter vigilantes, pois há o risco de recidiva. Cerca de 80% dos pacientes oncológicos são operados, ao menos uma vez, durante todo o tratamento.

O câncer é doença heterogênea em sua morfologia e biologia, cabendo ao cirurgião saber como a doença se apresenta e se comporta e, dessa forma, esteja potencialmente mais bem capacitado a operar o paciente. Com esse conhecimento, é possível escolher a técnica mais assertiva para cada caso, se será menos ou mais invasiva e por qual modalidade: cirurgia aberta, laparoscopia guiada por vídeo ou cirurgia robótica. Somado a isso, é fundamental ter conhecimento sobre a margem de segurança para retirada do tumor, diminuindo o risco de deixar doença remanescente, entre outros critérios técnicos.

Esse conhecimento, na iminência de casos mais avançados de câncer em razão da demanda reprimida pela covid-19, mostra-se ainda mais determinante. O cirurgião oncológico, ao receber esse título, tem ao menos 11 anos de dedicação, o que inclui seis anos de medicina, dois de residência em cirurgia geral e três de residência em cirurgia oncológica. Uma profissão que celebra seu aniversário em 17 de julho.

Segundo o Instituto Nacional de Câncer, são previstos 625 mil novos casos da enfermidade em 2020. Com tamanha incidência, é fundamental que os cirurgiões com expertise estejam prontos para orientar, acolher, tratar e reabilitar os pacientes, sempre em parceria com oncologistas clínicos, radioterapeutas, assim como com outras especialidades e profissionais da área de saúde, humanas e exatas, que compõem um time de cuidado multidisciplinar e interdisciplinar. Estamos juntos trabalhando a fim de oferecer fluxo seguro para que os pacientes voltem e estejam nas melhores mãos.
 
 
 
* Cirurgião oncológico, é presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO) 


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