Opinião

Novo marco legal do saneamento - A hora é agora

''A pandemia do novo coronavírus mostrou o paradoxo entre a exigência de que a população lavasse as mãos como medida de higiene e a ausência de água tratada em milhares de casas''

Correio Braziliense
postado em 10/07/2020 04:06
O Brasil é um país historicamente marcado pela gritante desigualdade social e por graves limitações à coleta e tratamento de esgoto. Ainda que esse cenário persista há décadas no país, foi necessária uma crise sanitária, de proporção global, para expor as falhas do serviço de saneamento básico no Brasil. 

A pandemia do novo coronavírus mostrou o paradoxo entre a exigência de que a população lavasse as mãos como medida de higiene e a ausência de água tratada em milhares de casas, impedindo que os habitantes seguissem uma simples recomendação para prevenção da doença.

De acordo com o Instituto Trata Brasil — organização sem fins lucrativos que acompanha os avanços de saneamento básico e a proteção dos recursos hídricos no Brasil —, há quase 35 milhões de pessoas sem o acesso a esse serviço básico. Apenas 22 municípios, entre as 100 maiores cidades do país, possuem 100% da população atendida com água potável.

Grande parte do deficit se deve à fragmentação de recursos federais, irregularidades contratuais e indefinições regulatórias. Essas barreiras, com frequência, dificultavam a participação privada no setor e a qualidade nos investimentos.

Os poucos avanços realizados no Brasil foram facilitados por programas específicos para o setor, como o Plano Nacional de Saneamento (Planasa), que incentivou a criação e o fortalecimento das concessionárias municipais, e pelos investimentos de bancos públicos, como a Caixa Econômica Federal e o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). 

Hoje, os investimentos anuais na área não passam da metade do que o país demanda. A consequência se vê nas tristes estatísticas citadas. Mesmo nos lugares onde há o abastecimento regular para o consumo, o Instituto Trata estima que os sistemas de distribuição sofram perdas na ordem de 38,45%, na média nacional.   

Em meio a tantos desafios, foi aprovado o novo marco legal para o saneamento básico no Brasil. Chegou a hora de o setor privado levar esgoto aliado à sustentabilidade e preço justo para milhões de brasileiros. A medida vai acelerar a competição entre público e privado, e as empresas terão de mostrar a real capacidade de investimento para melhorar os serviços e acirrar a briga por tarifas melhores. 

É inegável que o modelo de concessões força o surgimento de empresas fortes e especializadas para lidar com um mercado fragmentado e público. Também será preciso levar em consideração a sustentabilidade de todos esses processos, com avaliação dos custos ambientais, econômicos e sociais. Do governo, esperam-se ações bem posicionadas, planejamento e organização dos processos. A falta de capacidade de gestão dos municípios pode afetar tanto os serviços públicos quanto os privados. 

Os gestores públicos terão de deixar muito claro os requisitos para a entrada da iniciativa privada, estabelecendo metas para a universalização do serviço. Se, entre os pilares do marco legal estiver a fiscalização dos padrões dos serviços prestados, a qualidade será atestada no cotidiano das pessoas.

O novo marco chega em boa hora. O correto tratamento de esgoto e incentivo ao saneamento não só vão beneficiar o meio ambiente e reduzir a incidência de doenças à população, como também é oportunidade de retomada da economia, geração de empregos e atração dos olhares de investidores para o Brasil.

O Ministério da Economia avalia que a medida deve atrair mais de R$ 700 bilhões em investimentos e gerar, em média, 700 mil empregos no país nos próximos 14 anos. É fato que novas discussões e a necessidade de ajustes podem surgir na medida em que o marco for implantado. Há, por exemplo, a questão dos empresários nacionais que, até então, vinham resistindo à privatização desses serviços, prevendo a vinda de multinacionais que não se limitam em apenas obter concessões para realizar serviços. 

Os players estrangeiros possuem a visão de criar um mercado cativo para as próprias fábricas, verticalizando, assim,  todo o processo produtivo, com domínio sobre a tecnologia própria e autonomia. Isso ocorreu em alguns países na década de 80, quando empresas francesas, inglesas e espanholas começaram a dominar o mercado de saneamento e água, com forte atuação na América Latina. Ainda assim, é muito bem-vindo um movimento dessa magnitude a fim de combater a precariedade de um sistema que vitimiza tantas pessoas. 


* Presidente da Nova Participações SA 

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