Opinião

O velho normal do futebol

Há quem esteja ansioso pelo admirável mundo novo pós-pandemia, acreditando que a humanidade passa por um upgrade e, daqui a pouquinho, tudo vai ser diferente. A julgar pela indústria do futebol, aconselho esperar sentado. O velho normal resiste.
Houve um tempo em que Eurico Miranda era sinônimo de confusão no mundo da bola. Impossível citar todas as tretas neste espaço. Vou lembrar duas em tempos de debates acirrados sobre direitos de transmissão e dribles na lei. Em 2001, o cartola mandou o Vasco a campo na final da Copa João Havelange contra o São Caetano usando a logomarca do SBT para provocar a Globo. Dois anos depois, liderou o motim que ameaçou paralisar o Brasileirão num protesto contra o Estatudo do Torcedor.

Eurico tornou-se um dos dirigintes mais odiados do país. Não tinha vergonha de dizer, em Brasília, que os mandatos de deputado federal não eram para representar o povo, mas os interesses do Vasco. Dava ponto sem nó e o clube virou um dos times mais detestados do país numa fase dourada. De 1997 a 2000, a torcida cruz-maltina festejou Libertadores (1998), dois títulos no Brasileirão (1997 e 2000), Mercosul (2000) e Carioca (1998).

O polêmico cartola morreu no ano passado, mas tem dirigente se esforçando para preencher a lacuna. Não bastasse o comportamento na tragédia do Ninho do Urubu, o presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, colou no presidente Jair Bolsonaro a contragosto de parte da nação rubro-negra para mexer os pauzinhos a favor do clube — não do futebol brasileiro. Entre idas e vindas à capital, defendeu a retomada das competições a qualquer custo e conseguiu a MP 984/2020 um dia depois de almoçar com o chefe do executivo. Inimigo declarado da Globo, Bolsonaro empoderou o Flamengo para ajudá-lo a minar a tevê.

No primeiro momento, a opinião pública entendeu, comprou a briga do Flamengo pelo direito de comercializar seus jogos e até apontou vantagens, como a democratização e o fim do monopólio. Mas os episódios seguintes transformaram a luta pela MP em contrassenso. O clube cobrou R$ 10 para assistir à semifinal da Taça Rio numa plataforma que sequer suportou levar a partida ao ar. Sob pressão, liberou o sinal da Fla TV no YouTube.

O pior estava por vir. Depois de defender o direito de o mandante transmitir seus jogos sem a necessidade de concordância do visitante, eis que o Flamengo perde o sorteio do mando de campo da final da Taça Rio para o Fluminense. Contrariado, advogados tentaram fazer emendas na MP para o clube também ter o direito de veicular a partida contra o tricolor.

Sem perceber, Landim ameaça incorporar o euriquismo. Um movimento que alguns batizam de landinismo começa a ganhar força com questões desnecessárias. Resultado: na quarta, o Fluminense impôs um combo de derrotas ao Flamengo. Ganhou no tapetão, no campo, quebrou recorde do rival no YouTube e deixou cartolas arrogantes pianinho.

Landim tem que entender que o Flamengo não precisa arrombar portas, colocar os pés na mesa nem ganhar na marra. O time é muito bom. Os discípulos de Jesus encantam até quem não morre de amores por futebol. É melhor conquistar simpatia na bola a atrair antipatia nos bastidores. O Vasco sente na pele até hoje os efeitos colaterais do euriquismo. Torcedor rubro-negro, diga não ao landinismo.