Opinião

O Brasil precisa de nova Constituição

''Se a Assembleia Constituinte de 2023 adotar o parlamentarismo, a nova Constituição reduzirá bastante o risco de tomadas de poder extremistas''

Correio Braziliense
postado em 13/07/2020 04:04
Números crescentes de brasileiros estão perdendo a fé no sistema estabelecido em 1988. A corrupção política revelada pela Lava-Jato, culminando na resposta irresponsável de Bolsonaro à crise do coronavírus, levaram cidadãos comuns a temer que a democracia não tenha futuro.

A melhor maneira de responder à alienação política crescente é convocar nova Assembleia Constituinte em 2023. Uma vez eleitos, os representantes deveriam reconsiderar as decisões-chave da Assembleia de 1988 já que elas, ao longo das décadas, geraram a atual crise de confiança pública.

Vamos voltar o relógio para 1988 e considerar como a Constituição surgiu após a trágica morte de Tancredo Neves. Sua saída de cena precipitou um amargo embate entre José Sarney e os líderes de centro-esquerda da Assembleia.

Esses líderes haviam colaborado com Neves na criação do Partido do Movimento Democrático Brasileiro para exigir rompimento decisivo com o regime militar. Eles também formaram coalizão mais ampla com movimentos de esquerda liderados pelo Partido Democrático Trabalhista, de Leonel Brizola, e pelo Partido dos Trabalhadores, de Lula. Dado o amplo apoio, eles estavam em posição de defender a independência política da Assembleia Constituinte contra Sarney e os militares.

A coalizão de centro-esquerda organizou uma série de consultas populares em todo o país, cujas recomendações contribuíram significativamente com a Constituição. Fernando Henrique Cardoso também deu aos políticos de esquerda papel central no processo de redação, o que os levou a incluir muitos compromissos fortes com a justiça social na primeira proposta séria à Assembleia. Mas o objetivo central do Projeto A era o sistema de governo presidencial que os militares haviam usado para manter o poder. Ele propôs a substituição imediata pelo sistema parlamentar.

Previsivelmente, isso gerou intensa oposição de Sarney e os apoiadores. Mas o Projeto A também era inaceitável para os centristas do Partido do Movimento Democrático por uma razão diferente. Enquanto apoiavam um sistema parlamentar, eles descobriram que as fortes disposições esquerdistas do projeto eram extremas demais para as visões centristas.

Dada a divisão entre esquerda e centro, tornou-se plausível que os constituintes chegassem a um “compromisso” com Sarney no presidencialismo. Por um lado, ambos concordaram em preservar o status quo pelos próximos cinco anos. Por outro, a Constituição de Compromisso previu plebiscito especial em 1993 para permitir aos cidadãos decidir se o sistema parlamentar se tornaria a estrutura permanente da democracia brasileira.

Quando os constituintes aceitaram esse compromisso em 1988, eles permaneceram parlamentaristas comprometidos e esperavam ganhar o plebiscito de 1993, já que o Partido do Movimento Democrático estava perdendo apoio eleitoral. Mas, quando 1993 chegou, outro acidente histórico foi decisivo.

Depois de vencer a primeira eleição livre em 1990, Fernando Collor foi envolvido em uma série de escândalos de corrupção que levaram ao processo de impeachment na Câmara dos Deputados e à substituição por Itamar Franco, um homem com a integridade pessoal intacta. Quando Franco assumiu o cargo em 1992, o público comemorava o “sucesso” da Constituição de Compromisso em permitir que se restaurasse a integridade da transição do Brasil para a democracia.

Como consequência, os eleitores endossaram esmagadoramente o presidencialismo no referendo de 1993 — apesar do compromisso contínuo com o sistema parlamentar pelos principais centristas. A sabedoria do plebiscito de 1993 também foi confirmada pelas vitórias presidenciais de Cardoso e Lula — dois estadistas genuínos que tiveram papel central no repúdio ao governo militar. A Constituição de Compromisso foi justificada mais uma vez quando Dilma Rousseff foi eleita a primeira mulher presidente da República.

No entanto, agora está claro que a vitória de Dilma serviu de prólogo para os últimos cinco anos de desilusão popular. A polarização da política brasileira contemporânea serve apenas para reforçar a crítica ao presidencialismo avançada em 1988. Exemplo matemático simples ilustrará o ponto-chave. Suponha-se que o eleitorado esteja dividido em cinco facções de tamanho aproximadamente igual: a esquerda radical, a esquerda central, os centristas, a direita central e a direita radical.

Sob um sistema parlamentar, o líder do partido político do centro normalmente se une ao de centro-esquerda e ao de centro-direita para formar uma coalizão de governo. Por seu lado, como mostra a eleição de 2018, é muito fácil para um candidato da direita radical conquistar a presidência, mesmo tendo o forte apoio de apenas 20% a 25% do eleitorado. Se a Assembleia Constituinte de 2023 adotar o parlamentarismo, a nova Constituição reduzirá bastante o risco de tomadas de poder extremistas.

Mas, antes que isso aconteça, nenhum membro do governo eleito em 2022 deve figurar como constituinte. Caso contrário, eles irão previsivelmente obstar considerações sérias ao parlamentarismo e dedicarão energia ao fortalecimento do poder do presidente recém-eleito — permitindo novas vitórias extremistas no futuro.


* Professor da Faculdade Sterling de Direito e de Ciência Política da Universidade de Yale, em New Haven (Connecticut) 

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