Correio Braziliense
postado em 14/07/2020 04:24
Falar em violência contra a mulher parece assunto velho. E é. A brutalidade ocorre desde tempos imemoriais. Estados, religiões e famílias a naturalizaram. Não são poucos os países que ainda hoje, no século 21, têm leis que autorizam parente a assassinar a mulher suspeita de “manchar a honra do clã”.
Talvez a banalização da barbárie tenha raízes na criação do mundo. Mitos associam a figura feminina a sofrimento. Os gregos falam em Pandora. Ela, quando veio à Terra, trouxe uma caixa que, aberta, deixou escapar os males que maltratam o planeta. Os cristãos se referem a Eva. Ao comer a maçã, a primogênita privou os humanos do paraíso.
Os séculos passaram, a ciência avançou, a humanidade evoluiu. Apesar do salto civilizatório, porém, impulsos bárbaros se mantêm. Homens continuam batendo em mulheres. A prática não se restringe a nações pobres ou ricas, desenvolvidas ou subdesenvolvidas, com maioria da população feminina ou masculina. É geral.
A pandemia agravou o quadro calamitoso. Por causa da imposição do isolamento social, os membros das famílias viram-se obrigados a conviver por mais horas durante o dia. Crianças deixaram de ir à escola, e o trabalho passou a ser feito em casa. A proximidade contribui para acirrar conflitos e ampliar a intolerância. Consumo de álcool também desempenha papel importante no processo.
Confirmou-se o temor de que uma das consequências da covid-19 seria o incremento da violência doméstica. O registro de abusos disparou. Valem exemplos da América Latina, onde quase 20 milhões de adultas e meninas sofrem violência sexual e física por ano. Na Colômbia e no México, ataque a mulheres saltou 50% de janeiro a abril em comparação com o mesmo período de 2019. O feminicídio na Venezuela cresceu 65% em abril.
O Brasil não foge à regra. O Ligue 180, do governo federal, anotou em abril aumento de 40% no número de denúncias e de 22% no de feminicídios. Ninguém duvida de que a cifra deva ser maior por causa da subnotificação. As queixas presenciais despencaram porque as delegacias integraram as regras de isolamento.
Iniciativas da sociedade contribuem para atenuar os percentuais do horror: um X vermelho de batom pintado na palma da mão, um botão de pânico em aplicativo de loja on-line de eletroeletrônicos, vídeo fake de automaquiagem que orienta a pedir socorro. É importante que todos se deem as mãos. Vizinhos, amigos e parentes têm de ignorar a tal história de que em briga de marido e mulher ninguém mete a colher. Mete sim. São vidas que precisam ser salvas.
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