“A verdade tem dois lados”, ensinou Aristóteles. A lição do filósofo grego se aplica às consequências da pandemia. Há perda de vidas, sumiço de empregos, aumento da pobreza, descoberta de 35 milhões de cidadãos privados de água potável, crescimento da violência doméstica, revelação da existência de 46 milhões de brasileiros invisíveis – excluídos das estatísticas e das conquistas sociais.
A alta do desemprego e a redução da renda aceleraram processo que se observava desde 2014, quando o Brasil mergulhou em profunda recessão. Trata-se da migração da rede privada para a pública. Dois setores sobressaem – a educação e a saúde. Escolas particulares perdem alunos, e planos de saúde amargam fuga de clientes.
Balanço da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) informa que 3,4 milhões de usuários abandonaram os seguros de saúde em cinco anos – de 2015 a 2019. Com a crise do novo coronavírus, a tendência se agrava. Em março, a debandada foi de 42.935 beneficiários. Em maio, saltou para 216 mil.
Na educação, a tendência foi semelhante. Começou em 2015 e se acentuou este ano. Faltam dados precisos, mas se calcula que o percentual de transferência chegue a 10%. Significa que um em cada 10 estudantes que antes pagavam para frequentar salas de aula agora buscam a gratuidade. O Rio de Janeiro registra taxa mais elevada: 14%.
A guinada revela um lado desalentador. É fruto do empobrecimento, não de escolha. Se fosse opção, as famílias prefeririam manter o status anterior por uma razão simples: a qualidade do serviço. Mas há o outro lado, o da esperança. Os migrantes, que conhecem a excelência, vão exigir melhor desempenho do setor público.
Aloysio Campos da Paz, idealizador e fundador da Rede Sarah, defendia a tese de que a perda da qualidade dos serviços públicos de educação, saúde e transporte tinha relação com a mudança de perfil do usuário. Quando as classes média e rica se transferiram para o setor privado e relegaram a oferta do Estado para os pobres, a qualidade despencou. Agora, o quadro pode se reverter.
Com a volta de milhões às instituições do governo, o Estado tem dois grandes desafios. O primeiro: prover instalações e profissionais para fazer frente à demanda. O segundo: oferecer qualidade. Os brasileiros, que tomam as ruas para cobrar medidas das autoridades, precisam exigir saúde e educação de excelência. Não é favor. A sociedade paga caro por eles.
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