Opinião

Saneamento e combate à desigualdade social

''Segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis), mais de 30 milhões de brasileiros não têm acesso ao fornecimento de água encanada. Quase 47% da população não dispõem de coleta de esgoto e menos da metade ao tratamento deste''

Correio Braziliense
postado em 20/07/2020 04:18
Após intenso debate no Legislativo, iniciado sob a gestão Michel Temer com a edição da Medida Provisória 844/2018 — que recebeu 525 emendas e não fora votada —, o Novo Marco Legal do Saneamento Básico foi aprovado pelo Senado Federal e sancionado com vetos pelo presidente da República. Se houve algo de bom nesse longo processo cheio de incertezas, é que o tema foi ao centro do debate nacional. Além de especialistas e políticos, cidadãos comuns tomaram parte das discussões.

O novo modelo será fundamental para que o Brasil alcance a universalização dos serviços de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, coleta de resíduos sólidos e limpeza de vias públicas e, assim, supere esse gargalo secular, que perpetua graves desigualdades sociais. A população economicamente mais vulnerável é a mais afetada. Moradores das periferias de grandes centros urbanos e de pequenas cidades do interior ficam sujeitos a todo tipo de desasseios, pragas e doenças.

Segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis), mais de 30 milhões de brasileiros não têm acesso ao fornecimento de água encanada. Quase 47% da população não dispõem de coleta de esgoto e menos da metade ao tratamento deste. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a precariedade do saneamento básico está diretamente ligada à proliferação de doenças como cólera, diarreia, desinteria, hepatite A, febre tifoide e poliomielite. Além disso, causa 432 mil mortes por ano no mundo.

No Brasil, de acordo com levantamentos realizados pelo Instituto Trata Brasil, em 2013 foram notificadas 340 mil internações por infecções gastrintestinais. Se a totalidade da população tivesse acesso a serviços adequados de saneamento, haveria redução de pelo menos 70 mil internações. Somadas aos impactos diretos na saúde, as externalidades negativas da falta de esgotamento sanitário atingem também a produtividade média do trabalhador, o desenvolvimento educacional de crianças e o meio ambiente.

Diante desse cenário, o novo marco vai tornar possível que áreas hoje abandonadas passem a receber investimentos e gerem condições dignas para a população. Substituirá um modelo herdado da década de 1980, que se provou ineficaz e carece de transparência e eficiência. No arcabouço vigente, os municípios, informa o STF, são os titulares dos serviços ligados ao saneamento, mas delegam sua prestação a empresas estatais controladas pelo estado do qual fazem parte. O problema é que nenhum tipo de procedimento licitatório é obedecido, nem mesmo a comprovação de capacidade técnica e econômica de tais empresas é apresentada.

Como era de esperar, estados com maior capacidade de investimentos conseguem atingir níveis razoáveis de qualidade e universalização. Nos demais, a realidade é outra. O Amapá, por exemplo, investiu apenas R$ 5 milhões em 2018. São Paulo, no mesmo ano, R$ 5 bilhões.
O novo marco traz um modelo em que os contratos de programa serão progressivamente substituídos pelos de concessão, celebrados por meio de processos licitatórios, nos quais empresas privadas e estatais poderão participar, desde que comprovem aptidão para tanto. É o que dispõe o art. 175 da Constituição.

Para garantir o ganho de escala e a manutenção de subsídios cruzados, a nova regra prevê formas de regionalização (microrregiões, unidades de saneamento, blocos de referência e consórcios). Há, ainda, a previsão de subsídios da União às áreas rurais (que têm os maiores deficits de cobertura) e aos locais que aderirem tanto às formas de regionalização quanto às normas de referência a serem expedidas pela Agência Nacional de Águas.

Desse modo, os setores público e privado poderão contribuir para levar dignidade a milhões de brasileiros. Os desafios à implementação do novo marco, no entanto, ainda são grandes. O projeto, que logo após a aprovação no Senado gerou burburinhos nas redes sociais, enfrentará forte resistência política e estará sujeito à judicialização.

De toda forma, a solidez do novo marco, o estágio avançado dos debates e, sobretudo, a urgente necessidade de investimentos serão importantes fatores a favor. Impõe-se, agora, a enfrentar o longo caminho até a necessária universalização do saneamento básico.


* Advogados 

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