Correio Braziliense
postado em 21/07/2020 04:06
Quando Galileu Galilei afirmou, no início dos anos 1600, ter concluído que a Terra girava em torno do Sol, com certeza muita gente não acreditou, Afinal, naquela época, a ciência quase não se distinguia da bruxaria, e Galileu quase pagou com a vida o fato de ter divulgado suas conclusões — foi acusado de bruxaria.Mas, agora, em pleno século 21, há pessoas, ao menos teoricamente instruídas, que não dão atenção e até mesmo desprezam a ciência. Essa postura está ligada às falhas gritantes de nosso sistema educacional, que não ensina ciência e não divulga os avanços, que podem ser observados a cada momento.
Porém, o que realmente impressiona é o fato de que governantes de grandes nações, como Bolsonaro, Johnson e Trump, aliando ignorância a interesses eleitoreiros, terem mostrado desprezo à ciência e agredido cientistas sérios, indo à televisão com um discurso repleto de grosserias e tornando-se responsáveis por milhares de mortes ao incentivarem pessoas a ignorar os riscos do coronavírus, cuja chegada era prevista pela ciência havia décadas.
Já em 2015, Bill Gates havia dito que não era questão de saber se uma pandemia aconteceria, mas quando. Agora, esses governantes parecem estar mudando o discurso, passando a usar máscaras, dizendo esperar a rápida chegada de uma vacina e de medicamentos que permitam enfrentar eficientemente a covid-19 quando ela se manifestar.
Isso pode acontecer: a evolução da ciência permitiu que, em duas semanas, o genoma do coronavírus fosse isolado e sequenciado, e informações acerca dele fossem disseminadas entre cientistas de todo o mundo, o que está acelerando a busca da vacina e dos medicamentos. Se a pandemia tivesse chegado no ano 2000, em vez de duas semanas, teriam sido necessários meses. O jornalista italiano Marco Magrini, fazendo menção aos fatos envolvendo esses personagens (Galileu, Bolsonaro, Johnson e Trump), diz que acreditar nos cientistas apenas quando se precisa resolver um problema e não quando se é avisado acerca dele é como acreditar em bruxaria.
Outra área em que essa postura se repete é a das mudanças climáticas. Os cientistas estão avisando, pelo menos desde os anos 1980, que os danos provocados pelo aquecimento global, causado pela atividade humana, serão imensos, maiores do que os gerados pela atual pandemia. O nível do mar pode subir até sete metros, eliminando áreas agriculturáveis e riscando do mapa cidades e até mesmo países inteiros, como Holanda e Bangladesh. Fome e deslocamento de milhões de pessoas serão inevitáveis. Estamos recebendo sinais frequentes acerca do que está por vir, como temperaturas de até 21 graus positivos registradas em 9 de fevereiro na Antártida.
Os produtos da ciência podem ser utilizados para o mal. Ela pode errar, mas, quando praticada com seriedade, dá bons frutos. A seriedade exige a aplicação do que chamamos método científico, que tem as origens no tempo de Galileu, e cientistas como Descartes e Newton também contribuíram para seu desenvolvimento. De maneira simplista, o método consiste em observar, com ceticismo, os fatos sobre o tema que se pretende pesquisar, formular hipóteses baseadas nessas observações e testar as hipóteses para verificar se são válidas.
Na atualidade, não se dá crédito apenas às conclusões de apenas um cientista. O trabalho do pesquisador é regulado por um sistema de revisão por pares, em que o trabalho é revisado por outros cientistas antes de ser divulgado e acatado pela comunidade. O que se espera é que, daqui para frente, os eleitores de todo o mundo se conscientizem da importância da verdadeira ciência e votem nos que compartilham valores semelhantes.
*Doutor em ciências pela Universidade de São Paulo, é professor da Faculdade de Computação e Informática da Universidade Presbiteriana Mackenzie
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