Correio Braziliense
postado em 28/07/2020 04:05
É incorreto virar as costas para críticas, como se os críticos fossem vilões. Do mesmo modo, não é produtivo nem democrático impedir a fala ou tentar desqualificar a priori o interlocutor que aponta falhas. Buscar o aperfeiçoamento exige saber escutar e conviver com o escrutínio dos outros. O caminho saudável da razão, portanto, é ouvir o que está sendo dito e, assim, pesar os fatos. O que pode ser feia é a paisagem, não a janela que a revela. Apenas o diálogo e o respeito à liberdade de pensamento podem mostrar a verdade e o melhor caminho a trilhar.
Os servidores públicos vêm sendo há tempos apontados como bodes expiatórios. Somos apresentados como os vilões, não há dúvida. A pandemia mostrou que também temos muitos servidores que se comportam como verdadeiros heróis. De um modo ou de outro, seria corporativismo eventual silêncio a respeito da insatisfação da população com a média dos serviços prestados pelo Estado nos Três Poderes. Apenas o diálogo leal pode permitir descobrir causas e soluções, culpados e caminhos. Um país que reduz o debate público a ofensas e a adjetivos não vai progredir.
Estou certo de que as injustas tentativas de vilanizar os servidores seriam menos bem-sucedidas se os serviços prestados por nós fossem melhores. A solução para aperfeiçoar o serviço público não é desmontá-lo nem contratar terceirizados, temporários ou um mar de comissionados. Seria hipocrisia, no entanto, fingir que as coisas estão satisfatórias ou suscitar institutos que não estão funcionando a contento. Ou nós melhoramos a prestação dos serviços públicos, ou seremos sempre vítimas dos que querem o fim do concurso, da estabilidade e da profissionalização da carreira pública.
As pesquisas mostram que o povo não está satisfeito com a média dos servidores e que não confia muito nos Três Poderes e na mídia. Curiosamente, duas das instituições mais atacadas, Igreja e Forças Armadas, saem-se melhor diante do crivo popular. Então, que todos tenham a coragem de, humildemente, ouvir as ruas e as críticas para filtrar o que é procedente. E, então, corrigir o que é preciso.
O serviço público tem ilhas de excelência. A maioria dos servidores é proba e dedicada, mas há ralos e falhas inegáveis. A culpa maior é obviamente dos gestores, mas vamos encarar a realidade. Isso inclui concluir que não será sem concurso, com terceirizados, temporários, comissionados em profusão ou com sucateamento que vamos melhorar o serviço público. Há um lugar para temporários, em situações emergenciais, e para comissionados, em número reduzido, mas eles não são a solução. Servidor tem que ter carreira, valorização, profissionalização, treinamento, boa remuneração e segurança para servir ao Estado e ao povo que o sustenta, não ao governo da ocasião ou a interesses partidários ou ideológicos.
Políticos precisam parar de sonhar em, a cada gestão, nomear correligionários e pessoas que jamais lhes dirão não. As funções de confiança são apenas para cargos isolados, não para todo o funcionalismo. Enorme número de gestores precisa começar a realizar os processos administrativos disciplinares e as avaliações de desempenho que, embora previstas em lei, não têm sido aplicadas com o rigor necessário (art. 41, § 1º, CF).
Alguns servidores precisam parar de se acomodar na estabilidade e na leniência de superiores e começar a produzir mais, e a serem mais cordiais com o nosso patrão, que continua sendo o povo. Algumas autoridades e alguns servidores precisam parar de ir contra as decisões do povo e não tentar desestabilizar e atrapalhar os governantes. O servidor ou o órgão público que faz isso não age com ética e prejudica a instituição, além de ser antidemocrático. Em suma, todos precisam dar a parcela de colaboração para que o país melhore, e respeitar quem foi eleito.
Uns querem o Estado mínimo, outros, o Estado hipertrofiado. Eu quero o Estado do tamanho exato para que cumpra o que a Constituição determina. Uns querem servidores tíbios, demissíveis a qualquer não ou eleição, e sem coragem ou brio. Outros querem servidores intocáveis, sem cobrança de metas e resultados. Eu quero um sistema equilibrado, com respeito à carreira, mas com mais respeito ao povo, que tudo sustenta com suor, trabalho e excesso de impostos. Eu entendo que temos que discutir o tema de forma franca e leal. Eu creio na boa-fé das pessoas, que do debate honesto podem sair as soluções por que todos ansiamos.
* Mestre em direito, pós-graduado em políticas públicas e governo, é gestor de órgão público premiado por produtividade, professor universitário e escritor
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