Opinião

E depois do auxílio emergencial?

''E daqui para a frente? O coronavírus continua implacável, causando doença e ceifando vidas. Mas, tanto o auxílio emergencial quanto as medidas trabalhistas vão acabar antes de o mercado de trabalho se recuperar''

Correio Braziliense
postado em 31/07/2020 04:05
''E daqui para a frente? O coronavírus continua implacável, causando doença e ceifando vidas. Mas, tanto o auxílio emergencial quanto as medidas trabalhistas vão acabar antes de o mercado de trabalho se recuperar''As fraudes no recebimento do auxílio emergencial podem ser consideradas esperadas em face da urgência que se fez necessária para socorrer as famílias que, abruptamente, perderam as condições de trabalhar e de ganhar. Isso ocorreu, também, nos países avançados que instituíram tais medidas de forma emergencial. De qualquer forma, as fraudes exigem apuração e punição rigorosas.

O importante é destacar que o auxílio emergencial foi medida providencial para as famílias mais sofridas que necessitavam de socorro imediato. O IBGE informa que cerca de 30 milhões de domicílios (quase 70% do total) receberam auxílio médio de R$ 881 mensais durante três meses, agora prorrogado por mais dois.

A boa pontaria do programa pode ser avaliada pelo fato de ele ter sido a principal fonte de renda para 93% dos brasileiros mais pobres. Com isso, a ajuda elevou as condições de vida dos mais sofridos, inclusive crianças e, temporariamente, retirou boa parcela dos brasileiros da pobreza e da extrema pobreza (pessoas que vivem com US$ 1,90 por dia). A extrema pobreza, que atinge 2,3 milhões de crianças, teria afetado 7,9 milhões sem o socorro. É um feito e tanto.

As medidas trabalhistas referentes à redução de jornada e suspensão do contrato de trabalho também evitaram muito sofrimento ao preservar milhares de empresas e mais de 10 milhões de empregos. São resultados animadores para iniciativas que tiveram de ser gestadas às pressas.

E daqui para a frente? O coronavírus continua implacável, causando doença e ceifando vidas. Mas, tanto o auxílio emergencial quanto as medidas trabalhistas vão acabar antes de o mercado de trabalho se recuperar. Os últimos dados do IBGE mostraram forte queda do número de pessoas ocupadas: entre maio e julho, o Brasil perdeu 2,1 milhões de postos de trabalho. As empresas que reabriram as portas enfrentam restrições e baixa demanda devido ao medo e à falta de renda dos consumidores. Isso torna a retomada dos negócios muito frágil.

As boas notícias sobre emissão de notas fiscais, consumo de energia, melhoria do tráfego e aumento de transações bancárias detectadas em junho foram acompanhadas pelo Caged, que mostrou desaceleração na destruição de empregos formais. Mas, estamos longe de céu de brigadeiro. A população ocupada teve queda histórica entre maio e julho, passando de 84 milhões de pessoas para 82 milhões. O percentual de pessoas ocupadas entre os que têm idade para trabalhar caiu para 48% — a mais baixa da série histórica.

Até aqui, os analistas têm se perdido em uma sopa de letras que, ora vê a recuperação em V, ora em U, ora em W. Este último formato inclui um vai e vem na atividade econômica e um abre e fecha das empresas. É bem provável que o Brasil siga essa trajetória enquanto perdurar a insegurança das pessoas e dos negócios. Isso pode fazer os problemas do trabalho durarem mais do que a pandemia, adentrando pelo ano de 2021.

O grande problema que temos pela frente será o de gerar oportunidades de trabalho em grande quantidade. Com incertezas no negócio e demanda reduzida, as empresas não têm razão para contratar muitos empregados. Mesmo porque mais de 500 mil fecharam em definitivo.

Voltando ao ponto inicial: o sucesso do auxílio emergencial exige definição rápida do programa Renda Brasil. Essa definição seria mais bem-alcançada no âmbito da reforma tributária. Mas, dada a complexidade da reforma, penso que o substituto do auxílio emergencial terá de ser antecipado. E não pode decepcionar. É o que se espera.

* Professor da Universidade de São Paulo e membro da Academia Paulista de Letras, é presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP 



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