Correio Braziliense
postado em 02/08/2020 04:15
Pensar, refletir, criticar, discordar, rebater, confrontar. Todas essas ações são absolutamente legítimas. E digo mais: são elogiosas, necessárias e engrandecedoras do ponto de vista pessoal e social. Contribuem para o debate público. Seja qual for sua posição sobre os fatos e as coisas, dizê-las, bem como contradizê-las, é, hoje, um ato de coragem sem precedentes. E por que escolhi esse primeiro domingo de agosto para falar sobre o direito de falar? Porque temo, temo muito, que possamos perdê-lo.Podemos perder o direito de nos expressar não porque uma lei ou um decreto de qualquer ditador meia-boca pode nos tirar. É muito difícil que isso ocorra nos dias de hoje. Sabemos que há meios de libertar a palavra qualquer que seja a amarração feita pelos malucos de plantão. O perigo maior está na autocensura imposta pelo medo. Porque existe uma gangue virtual capaz de ataques não apenas infames, mas criminosos e destruidores de reputações e de vidas.
Sim, refiro-me aos ataques sofridos pelo youtuber e influencer digital Felipe Neto, que, ao ousar falar a mais de 60 milhões de seguidores o que pensa sobre a atuação do presidente Bolsonaro em relação à pandemia — entre outros posicionamentos — passou a ser alvo das milícias digitais. Não só ele, mas tantos outros. O modus operandi desses criminosos é uma tentativa de inibir, amedrontar, ameaçar a vida e a lucidez de quem tem a coragem de criticar. Não passarão — assim espero.
Vivemos um momento perigoso, de tentativa de calar e de achincalhar quem cumpre sua função. Felipe Neto está no exercício de sua função, concordemos ou não com ele. Assim como o funcionário público que multou o desembargador sem máscara estava no exercício de sua função ao ser ofendido e humilhado por um magistrado com ficha corrida de denúncias engavetadas.
A carteirada, a humilhação em praça pública e a invenção de fake news para destruir biografias são armas de nosso tempo contra a livre manifestação de pensamento e de ação. Não se deixe iludir por um fake qualquer. Desconfie, pesquise, navegue com responsabilidade, diga o que pensa, contradiga o outro e a si próprio, se assim o desejar. O que se espera numa democracia é que as pessoas possam falar, contestar, concordar e discordar.
Lembro-me de um famoso texto de Darcy Ribeiro, ao qual gosto de recorrer quando bate aquele pessimismo de achar que estamos perdendo a guerra para os idiotas. Diz assim: “Fracassei em tudo o que tentei na vida.Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu”.
Particularmente, estou do lado de Felipe Neto, do guarda municipal humilhado, das mulheres vítimas de misoginia e machismo. Detesto a ideia de compactuar com aqueles que, em meio ao combate, perdem a dignidade e agem como canalhas criminosos. Estamos contando mais de 90 mil mortos brasileiros numa pandemia sem data para acabar. Com um saldo desses, ninguém pode se dar ao luxo de perder a coragem.
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