Opinião

Artigo: Violência em nome de Deus

''Ninguém tem a prerrogativa de agredir crianças e adolescentes, seja sob que pretexto for''

O nome do juiz é Sergio Luiz Ribeiro de Souza, da 1ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso do Rio de Janeiro. Na semana passada, ele tomou uma decisão de extrema importância, digna de aplausos: proibiu a venda e a publicação na internet do livro O que toda mãe gostaria de saber sobre a disciplina bíblica, que orienta pais ou responsáveis a educarem as crianças com castigos físicos. É isso mesmo: a autora da publicação repugnante, Simone Gaspar Quaresma, usa o nome de Deus para defender a violência contra vulneráveis.

O juiz também determinou que links para palestras dela com o mesmo tema sejam retirados da internet por Google, Facebook, Amazon e pelo site com o qual ela colabora, que tem o sugestivo nome de Mulheres Piedosas.

No livro e nas palestras, a “religiosa” sugere o “uso da vara” para disciplinar os filhos e critica os pais que refutam castigos físicos. O juiz enfatizou, na decisão, que o direito à integridade física e psicológica de crianças e adolescentes deve prevalecer sobre a liberdade religiosa e de expressão. Ele chamou a atenção para as artimanhas das orientações. “A ré tem plena ciência de que o que prega é contrário à lei, tanto assim que ensina os pais a baterem em locais que não sejam visíveis, bem como a orientar seus filhos a não delatar as agressões”, escreveu. “O perigo de dano é evidente, haja vista que os livros e vídeos incitando os pais a agredirem seus filhos estão acessíveis ao público, colocando em risco a integridade física de crianças e adolescentes.” Perfeitas as colocações do magistrado, sem meias-palavras.

A Associação Nacional de Juristas Evangélicos saiu em defesa da “religiosa”. Disse que ela é “respeitada escritora e conferencista no meio cristão evangélico”. Se assim for, representa um perigo maior ainda, porque tem capacidade de influenciar muitas pessoas. A entidade ainda classificou a determinação do juiz como um cerceamento da liberdade de expressão dela e pretende recorrer ao Tribunal de Justiça, “que certamente levará em conta esta grave violação de direito humano fundamental”, como destacou a nota. Dá para acreditar num argumento desse? Grave violação de direito humano fundamental é o que essa mulher prega.

Ninguém tem a prerrogativa de agredir crianças e adolescentes, seja sob que pretexto for. Os algozes têm de ser denunciados. Quem souber ou perceber maus-tratos deve denunciar tanto em delegacias quanto pelo Disque 100, app Direitos Humanos ou no site da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos.

Meninos e meninas não são propriedades das famílias. São cidadãos com plenos direitos, inclusive à integridade física. Devem ser educados com a dignidade que merecem, num ambiente de afeto e acolhimento. O lar tem de ser um local de segurança, não de tormento.