Correio Braziliense
postado em 04/08/2020 04:15
Não foi uma insurreição de velhinhos como se pode supor a partir do título acima, até porque os longevos daquela época não chegavam facilmente aos 90 anos de idade como ocorre em muitos casos hoje graças aos progressos das ciências. Trata-se mesmo é do grande movimento revolucionário que mudou de certa forma a fisionomia política e social do país e que, em outubro próximo, completa nove décadas. Os anos de 1920 já prenunciavam em muitos setores da comunidade brasileira uma vontade insopitável de mudanças e foram marcados por uma inquietação e um alarido com o fim de despertar o Brasil, o gigante adormecido pela inépcia e incúria da Primeira República, precocemente velha.
Em cotejo com outros países, estávamos estagnados. Não avançávamos no terreno das ciências, a educação era uma quimera e o analfabetismo batia no teto. A economia marcava passo no sobe e desce dos preços do café, nosso principal produto de exportação no mercado internacional, obrigando-nos a constantes queimas de divisas que enfraqueciam o Tesouro Nacional. Nas artes, salvara-se — com ressalvas — o barulho feito pela Semana de Arte Moderna.
Seguíamos no ritmo lerdo, marcado desde muito pela oligarquia dos coronéis donos de terra em prejuízo dos pobres e de uma classe média que, nos grandes centros urbanos, começara, porém, a dar sinais de inquietação. Os primeiros a se rebelarem contra esse estado de coisas foram os militares, que vinham em desacordo com o governo de Artur Bernardes. Em julho de 22, um grupo de tenentes dominou o Forte de Copacabana e depois de desigual, mas renhido combate, foram vencidos no episódio que ficou conhecido como Os Dezoito do Forte.
Os “tenentes” se reagrupariam em 1924 em torno de Luís Carlos Prestes e Miguel Couto com o propósito de levantar o país, pregando a revolução, na tentativa de sublevar as populações marginalizadas pelas oligarquias e contra o governo. Encetaram heroica marcha que só terminaria em 1927, cobrindo 24 mil quilômetros de norte a sul do Brasil, o que ficou conhecido lendariamente pelo nome de Coluna Prestes, em homenagem ao capitão comandante.
Seu feito seria enaltecido pelo poeta Pablo Neruda, mas, na prática e em termos revolucionários, não obteve o êxito pretendido, embora tenha permanecido como marcante estímulo político no espírito da classe média urbana. Os militares, leia-se o tenentismo, seguiram conspirando juntamente com as lideranças de jovens políticos dos partidos burgueses em ascensão, com forte protagonismo dos gaúchos.
No início de 1929, o presidente Washington Luís lançou a candidatura do paulista Júlio Prestes, do PRP, desrespeitando o pacto tradicional da política conhecida popularmente como café com leite. Era a vez dos mineiros, que entraram em rebuliço. Do tremendo mal-estar resultou a criação da Aliança Liberal e o lançamento de Getúlio Vargas, ex-ministro da Fazenda, para presidente, tendo como vice o presidente da Paraíba, João Pessoa. As eleições de 1º de março de 1930 deu a vitória ao candidato oficial, apesar do aparente favoritismo de Vargas. O pleito foi vastamente acusado de fraudulento, com protestos que nada alcançaram de positivo nos tribunais.
Instalou-se então um período de insatisfação e conspiração entre as jovens lideranças e os tenentistas, que se posicionaram mais uma vez a favor de uma revolução. Demorou, mas justo em 26 de julho daquele ano, ocorreu, para surpresa de todos, o assassinato de João Pessoa perpetrado pelo advogado João Duarte Dantas, desafeto político de Pessoa. A polícia varejara o escritório de Dantas, confiscando e publicando cartas íntimas por ele escritas à sua noiva, Anayde Beiriz, poeta e feminista.
O clima virou e forte comoção popular sobreveio reacendendo o estopim da oposição. Juarez Távora, membro proeminente da Coluna Prestes, fechou com os gaúchos de Vargas e junto com José Américo de Almeida — secretário de estado de João Pessoa — foi à garra levantando o Norte e o Nordeste. O féretro do presidente partiu de navio do porto de Cabedelo, fazendo paradas estratégicas, com direito a discursos em várias capitais, até chegar ao Rio de Janeiro, onde multidões o levaram ao sepultamento. O resumo da tragédia virou história com imagens retumbantes dos gaúchos amarrando seus cavalos no obelisco da Cinelândia. Seguiram-se a deposição de Washington Luís e a consequente ascensão de Getúlio à presidência. Esse é, em linhas gerais, o “enredo” do meu filme O homem de areia, realizado há 40 anos.
* Professor emérito da Universidade de Brasília
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