Opinião

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Inversão de valores permanece depois de séculos

Correio Braziliense
postado em 06/08/2020 04:05
Nunca, em tempo algum, a observação feita por Rui Barbosa (1849-1923) sobre a inversão de valores éticos entre as elites que comandavam os Poderes da República em sua época fez tanto sentido como agora. Dizia ele: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.”

A sentença, que parece resumir toda a epopeia brasileira desde 1500, foi dita em discurso no Senado Federal, em 1914, e seu alvo era justamente a falta de ânimo da Justiça em punir os poderosos. Para ele, “a maior de todas as ruínas é a ruína da Justiça”, principalmente, aquela “colaborada pela ação dos homens públicos”. Rui Barbosa ia além em seu libelo acusando os partidos de seu tempo e, sobretudo, o governo de influenciarem constantemente as decisões da Justiça em favor dos poderosos.

Nada diferente do que ocorre exatamente nesse instante com o Supremo agindo seguidamente em favor de abolir penas quando o réu é alguém conhecido e poderoso e com conexões diversas e preciosas dentro da máquina do Estado. Segundo Rui Barbosa, há mais de um século, a mais grave de todas as ruínas era a “falta de penalidades aos criminosos confessos”, assim como a “falta de punição quando se aponta um crime que envolve um nome poderoso, apontado, indicado, que todos conhecem”.

São observações proféticas e que servem hoje como uma luva no que vem ocorrendo nesse instante, quando juízes e um conjunto pequeno de procuradores do Ministério Público ousaram, por meio da famosa Operação Lava-Jato, investigar, julgar e condenar uma parte enorme de políticos da nossa história atual, reunidos de uma só vez para assaltar o erário.
Essa imensa e poderosa quadrilha, formada por políticos dos mais altos escalões, inclusive presidentes da República, aliados aos mais ricos e influentes empresários do país, foi um a um encaminhado às penitenciárias, inaugurando, assim, uma etapa totalmente nova e extraordinária de nossa história.
 
Questões levantadas por muitos internautas, que acompanharam de perto o desenrolar das revelações obtidas por meio de escutas ilegais e divulgadas pelo site The Intercept Brasil, mostram, de forma clara, que boa parte da opinião pública que trafega nas redes sociais não apenas vem pondo em dúvida a integridade desses diálogos, como passou a estabelecer, por conta própria, as conexões entre os diversos fios soltos.

O que se tem nesse episódio é que milhares de investigadores amadores on-line, por todo o país, passaram a investigar o caso e a divulgar cada passo em falso e cada pequeno detalhe deixado para trás pelos denunciantes. Num país que, desde 2005, vive em permanente estado de atenção e onde a realidade política se mistura com a ficção do realismo fantástico, o surgimento de mais esse subenredo, dentro do megaescândalo levantado pela Operação Lava-Jato, reacendeu o interesse do público sobre a tragédia da corrupção.

Com isso, o público, desde aquele tempo, vem interagindo com o desenrolar de todo enredo sobre corruptos e ditadores, o que pode levar a um desfecho imprevisível dessa trama. O material colhido até agora sobre esses casos já possui um volume de informação considerável. Quem acompanha as notícias está certo de que há trama de todos os lados para desmanchar a Operação Lava-Jato, por meio de uma campanha visando desacreditar seu principal juiz.

Muitos afirmam, inclusive, que, se os bandidos revelados por essa operação combinavam minuciosamente o esquema que os levaria aos cofres públicos, por que os agentes da lei não poderiam fazer o mesmo, uma vez que se tratava, no caso, de defender o Estado de uma bem engendrada organização criminosa? 

A população que a tudo assiste, ao vivo e a cores, chegou a acreditar que, com a Operação Lava-Jato, o Brasil finalmente entrava numa nova e virtuosa fase de sua história. Durou pouco a esperança da sociedade de que haveria uma mudança radical de rumos. Por ação justamente daqueles mesmos sujeitos apontados há mais de um século por Rui Barbosa em seu famoso discurso de 1914, o castelo de cartas vem sendo posto abaixo agora diante de nossos olhos e graças à inércia daqueles que poderiam agir a tempo de cessar essa verdadeira contrarreforma do antigo regime de impunidade. Uma leitura nos jornais diários dá conta de que a Hidra da corrupção e seus aliados ainda estão vivos e se movem.

Depois de sepultar qualquer possibilidade de condenação com o fim da prisão em segunda instância e mandar soltar todos os criminosos do colarinho branco, o Supremo, que tudo pode, tudo executa, mira agora seus canhões contra os juízes, como o então magistrado Sergio Moro, o procurador da República Deltan Dallagnol e outros que ousaram furar o cerco secular da impunidade, numa inversão de valores que faria Rui Barbosa se envergonhar de ser brasileiro. Só escapa um detalhe: a população está cansada, mas não inerte.


A frase que foi pronunciada
“O casamento entre o notório saber jurídico e a ilibada reputação.”
Sugestão de dona Dita para uma nova trova a ser cantada pelo ex-ministro do STF, Ayres Britto.


História de Brasília
Nos tempos do sr. Jânio Quadros, demos, daqui, uma notícia informando que a diretoria-geral da Fazenda estava se mudando para o Rio de Janeiro, apesar do bom rendimento que vinha experimentando em Brasília. 
(Publicado em 13/1/1962)

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