postado em 27/11/2018 12:11
A Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial de Saúde (OMS) estabeleceram um pacto pela segurança viária mundial, por meio do qual governos de todo o planeta foram convocados a tomar novas medidas para, por meio de choque de gestão, uso de novas tecnologias e planos de engenharia de tráfego, aplacar os índices de acidentes e mortes no trânsito. Não é para menos. Diariamente, 3,4 mil pessoas perdem a vida nas ruas e estradas de todo o mundo, segundo dados da OMS. Em 2000, essa era a 10; causa de óbitos pelo mundo e, 18 anos depois, saltou para a 8; colocação.
A proposta das duas organizações é reduzir pela metade esses números no intervalo de 10 anos, contados a partir de maio de 2011, quando o Década de Ação pela Segurança no Trânsito foi proposta. De lá para cá, o Brasil avançou, mas ainda está longe de bater a meta, que é de 19 mil acidentes fatais por ano.
Parceria público-privada
Nos últimos anos, os acidentes fatais vêm concentrando-se em 13 estados brasileiros. O Distrito Federal não está entre eles. Em números absolutos, é verdade, foram 469 mortes em 2015 em Brasília, o que coloca a capital federal na 5; colocação entre as capitais com mais óbitos no trânsito. Porém, houve uma redução de 83 fatalidades em relação ao ano anterior, o que equivale a 15% a menos de mortes e põe o DF como o 5; colocado no ranking de diminuição dos números de mortes.
Os dados apresentados são da quarta edição do Retrato da Segurança Viária no Brasil, elaborado pela Ambev, empresa nacional de bebidas, e a Falconi Consultoria. O objetivo do trabalho, iniciado em 2014, é levantar dados e usá-los em novas metodologias de soluções para o trânsito. Tomando forma a partir de parcerias público-privadas (PPP), as ações foram aplicadas, a princípio, em 15 municípios do estado de São Paulo, com resultados positivos: ao final de 12 meses, houve redução de 6% dos acidentes com óbito no estado e de 11% nas cidades em questão. Ainda é apenas o começo, mas resultados expressivos já têm sido alcançados.
Agora, as parcerias proporcionam desdobramentos para outras áreas do país, incluindo o Distrito Federal, com o projeto Brasília Vida Segura. ;No DF, o trabalho proposto é um esforço coletivo de várias ações. Começa com campanhas de conscientização do Departamento de Trânsito do DF (Detran/DF), mas se expande, especialmente, em ações de engenharia de mudança de tráfego, desde sinalização, modernização dos sistemas, religamento de semáforos, poda de árvores que estavam atrapalhando, etc. São atitudes ;simples;, a princípio, mas tudo contribui para a diminuição dos danos;, afirma Disraelli Galvão, diretor de relações institucionais e um dos responsáveis pelo projeto.
;A Falconi atua com o aporte de gestão nos governos e organizações para apoiá-los na melhoria dos resultados. Neste contexto, a parceria visa implantar o método de gestão nos órgãos de segurança viária, a fim de reverter esse quadro;, diz Álvaro Guzella de Freitas, diretor executivo da Falconi.
Ações de engenharia
O trabalho ocorre desde 2016, em parceria com a Secretaria de Mobilidade Urbana (Semob) do Governo do Distrito Federal (GDF) e participação de outros órgãos. O fluxo de atividades começou no mapeamento de informações, análise e elaboração de planos de ação de grupos de trabalho. ;Em segurança viária, trabalhamos com o governo distrital para a coleta de dados, análise desses dados e consequentes ações. O Detran atualiza mensalmente os números de acidentes mensalmente, mapeando onde eles são mais recorrentes e trabalhando nestas regiões;, diz a gerente.
O Detran/DF registrou 42 acidentes fatais em vias urbanas neste ano. Ceilândia lidera o ranking de acidentes, seguida por Plano Piloto e Taguatinga. Não por acaso, foram essas as três primeiras áreas nas quais os trabalhos foram concentrados. ;Combinado à maturidade na coleta de dados já existente no DF e à estrutura de governo, houve rápido alinhamento de metas com os órgãos e as regiões e perfis críticos foram identificados.;
;Digamos que haja uma avenida específica do DF na qual há mais mortes;, explica Disraelli Galvão. ;As equipes dos orgãos de fiscalização vão a essas vias para entender o que está ocasionando tantos acidentes. Verificam se falta sinalização, se há buracos, falta de pintura e se os arredores das vias demonstram algum tipo de perigo ao pedestre. Em alguns casos, mais complexos, há potencial de mudanças da ;mão da via;, por exemplo. Além disso, são enviadas equipes de orientação e fiscalização, para que os motoristas possam assimilar as mudanças e obedecê-las.;
;As ações de engenharia constituem um dos pilares de sustentação do modelo que buscamos implantar;, reforça Guzella. ;A parte inicial do aporte de gestão é estruturar os dados e identificar onde os acidentes com vítimas ocorrem com maior frequência (isso pode ser representado graficamente por meio de um ;mapa de calor;). Uma vez identificados esses locais, são realizadas visitas com os especialistas de engenharia e fiscalização para levantamento das ações. Geralmente, são iniciativas integradas de engenharia, combinadas com fiscalização, educação e comunicação que vão trazer o resultado.;
Os resultados não alcançam, ainda, o ideal, mas são palpáveis desde já. Os índices de acidentes baixaram sensivelmente de 2016 para cá, com a redução em 35% dos acidentes fatais no DF. O percentual é maior do que a média geral do Brasil, que apresentou redução de 27,4%, segundo levantamento do Ministério da Saúde. ;O GDF abraçou esse projeto, que é muito nobre e envolve, acima de tudo, a otimização dos recursos. O governo local não aumentou orçamento, apenas alocou os recursos de maneira mais otimizada;, esclarece Disraelli.
Busca por atualização
Contudo, David Duarte Lima acredita que ainda há muito a ser melhorado, no Brasil e em Brasília, em termos de impactos das ações de engenharia na prevenção de acidentes. O panorama posto pelo especialista em segurança no trânsito da Universidade de Brasília (UnB) e fundador da OnG Rodas da Paz é de desatualização e anacronismo. ;Na verdade, em termos gerais, nós ficamos parados no tempo. Há uma série de tecnologias que nós não empregamos, em diversos níveis;, afirma.
;Hoje, você tem disponível técnicas para drenagem das pistas muito eficientes, essenciais na redução de acidentes, especialmente em situações de chuva. Em sinalização, há muita tecnologia que, praticamente, não é empregada no Brasil. Em autoestradas, há tecnologias para orientar carros de volta para pista quando saem dela;, exemplifica David.
;Além disso, temos tecnologia melhores para controle de semáforos, com as quais podemos evitar congestionamento e melhorar a fluidez, o que significa melhorar o trajeto de cada um. Hoje, em pistas que admitem uma velocidade um pouco maior, os postes podem ser flexíveis;, exemplifica.
Segundo David Duarte, há um conjunto de técnicas, chamado de traffic calming, cuja eficácia está em planejar ;ruas que perdoem os erros humanos;. O conceito envolve medidas como deslocamento de eixo das vias, bloqueio parcial de cruzamentos, criação de ondulações, ilhas centrais, rotatórias e pavimentos diferenciados. ;Isso quase não é empregado no Brasil. Esse tipo de desenho urbano reduz muitos pontos de conflitos, adequando a velocidade em áreas com pedestres;, diz o especialista, que enxerga no sistema viário nacional a presença de ;carros do século 21 para vias dos anos 1950;.
Disraelli Galvão reconhece que ainda há muito a ser feito e os próximos passos tornam-se mais complexos para o futuro próximo. ;Falta muito o que melhorar. O trabalho no Distrito Federal fica mais difícil daqui para frente, porque as medidas mais simples já foram tomadas. Conseguimos diminuir sensivelmente o número de acidentes, deixando Brasília mais próxima da meta de segurança viária estabelecida pela ONU. As melhorias, pelo vemos nos outros estados, não são ainda suficientes para que o Brasil como um todo alcance a meta. Apenas países muito desenvolvidos conseguiriam.;
Os perfis críticos, que no DF são os pedestres (38% dos óbitos e 13% dos feridos) e os motociclistas (42% dos feridos), devem ser prioridade. ;Para esses casos, são direcionadas não só ações de engenharia, que impactam todos os perfis, como também comunicação e educação para pedestres, e direcionamento da fiscalização para motociclistas;, diz Álvaro. ;Entendemos que ainda há outras oportunidades que precisam ser exploradas. É preciso uma melhoria na coleta e cruzamento de dados, de forma que novos modelos permitam identificar o potencial de ocorrência de um acidente antes mesmo que ele ocorra. Acreditamos que esse seja o próximo passo a ser tomado na melhoria da segurança viária.;