Politica

Entrevista exclusiva: Luís Inácio Lula da Silva

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postado em 27/04/2008 09:08
O governo terá um único candidato à Presidência da República em 2010, mesmo que os partidos aliados apresentem mais de um concorrente na disputa. Quem avisa é o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em entrevista exclusiva aos Diários Associados, na última quinta-feira, no terceiro andar do Palácio do Planalto, Lula não chegou a dizer o nome do escolhido, mas deixou claro que trabalhará por ele. ;Obviamente, se não for possível construir uma candidatura única da base, pode ficar certo de que o governo terá candidato;, declarou o presidente. ;Penso em fazer o sucessor à Presidência da República. Trabalho para isso.; Acompanhado de Franklin Martins, ministro de Comunicação Social, Lula negou que já tenha escalado a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, para enfrentar a oposição, ao alegar que só a ;fantástica; capacidade gerencial da auxiliar não basta para lhe garantir o posto. Afirmou ainda que os competidores governistas terão que sair a campo logo depois das eleições municipais, para não deixar os governadores tucanos José Serra (São Paulo) e Aécio Neves (Minas Gerais) ;sozinhos na praia;. Em tom acima do habitual, o presidente garantiu que não há possibilidade de tentar um terceiro mandato consecutivo. ;Isso é uma coisa obscena para a sustentabilidade da democracia no Brasil.; Bem disposto, apesar de reclamar do cansaço físico decorrente da sessão diária de exercícios, de pouco mais de uma hora de duração, Lula tachou de ;pequena; a discussão sobre gastos com cartões corporativos. Informou que instituirá o valor de uma diária para viagens, em resposta à crise. Prometeu punir o responsável pelo vazamento de dados sigilosos do governo anterior. E rechaçou a acusação segundo a qual o governo forjou um dossiê para atingir o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e a ex-primeira dama Ruth Cardoso. ;Achar que este governo iria fazer um dossiê contra a dona Ruth é não ter a dimensão de que, se eu quisesse fazer dossiê, teria feito em 2005, quando fui triturado por adversários que vocês conhecem bem. Eu posso ter todos os defeitos, mas se tem uma coisa que aprendi na minha vida é ter relação política leal.; Lula mostrou-se confiante em relação aos desafios na área econômica. Voltou a considerar a pressão inflacionária sobre os alimentos, por exemplo, ;um bom desafio; para o Brasil, que teria terra, tecnologia e condições climáticas favoráveis para plantar, ao contrário dos Estados Unidos e da Europa. Em recado ao Banco Central, declarou que o Brasil não precisa ter medo da inflação, porque os investimentos em curso serão capazes de sustentar o crescimento da demanda. ;Nós não queremos truncar o crescimento. Daí, a minha preocupação com os juros;. Em cerca de uma hora e vinte minutos de entrevista, o presidente esbanjou bom humor. Como de costume, puxou conversa falando de futebol e lamentando o desempenho do Corinthians, seu time de coração. Antes de enfrentar a bateria de perguntas, ainda encontrou tempo para brincar com o hábito de fumar cigarrilhas. ;Está na minha mesa, para eu sancionar, um projeto que proíbe fumar em lugares fechados. Que ironia do destino.; Confira, abaixo, a entrevista na íntegra. Que medidas o governo vai adotar para evitar que a comida encareça e enfraqueça o apoio político que o senhor tem entre a população mais pobre? É injustiça achar que o reconhecimento da população mais pobre se deve só à questão da comida. A comida é um fator preponderante. Agora, é importante ter noção do que foi feito para os setores excluídos da sociedade. Do Bolsa Família ao Programa Luz para Todos, do Pronaf ao crédito consignado, do ProJovem às escolas técnicas. O que permite que você tenha uma densidade de política social como poucas vezes ou nenhuma vez o Brasil teve. Eu fui um dirigente sindical razoavelmente importante no Brasil, fiz as greves mais importantes, era muito difícil conseguir 1% de aumento real de salário. Hoje, 90% dos sindicatos estão fazendo acordos ganhando aumento de salário. Tem um conjunto de fatores que permite que a sociedade viva um pouco melhor. E um deles é a comida. Estamos vivendo um momento sui generis no mundo. Milhões de seres humanos começaram a comer nos últimos 10 anos. E a agricultura não cresceu proporcionalmente à demanda. Por isso, eu disse que é um bom desafio. Porque ter mais gente comendo significa que a gente precisa produzir mais. Temos terra para produzir mais, temos tecnologia para produzir mais, temos sol para produzir mais, temos água para produzir mais. Produzir mais alimentos para manter o preço do alimento estável. Na semana passada, eu dizia para o ministro Guido Mantega que não é mais possível discutir inflação sem colocar na mesa o ministro da Agricultura e o ministro do Desenvolvimento Agrário. Porque tem que ter um jogo combinado. Precisamos aumentar nossa produção. Esse é um desafio que não me preocupa. É um desafio que me alenta a provocar os produtores brasileiros a produzirem muito mais. Como o governo vai administrar dois projetos que parecem conflitantes, biocombustível e alimento? E como evitar que a cana-de-açúcar para o etanol reproduza o tradicional modelo concentrador de renda? Primeiro, é inconcebível alguém dizer que a questão do biocombustível tem alguma coisa a ver com o preço dos alimentos, porque o mundo não produz biocombustível e tem 800 milhões de pessoas que vão dormir sem comer. Os que criticam o biocombustível nunca criticaram o preço do petróleo. O mundo desenvolvido importa petróleo sem tarifa e coloca uma tarifa absurda para importar o etanol do Brasil. No fundo, o Brasil está sendo vítima na medida em que virou artista principal do jogo. Não somos mais coadjuvantes. Somos o maior exportador de café, de suco de laranja, de soja, de carne. O que precisamos, e na política do biodiesel está correto, é o chamado selo social. O produtor que contratar a produção do biodiesel da agricultura familiar tem isenção de impostos, exatamente para a gente não repetir o erro da cana. Temos dito claramente que, se quisermos ter sucesso (na Rodada de Doha de liberalização do comércio), é preciso que os países ricos flexibilizem nos preços agrícolas para que os produtos dos países mais pobres entrem no mercado rico, senão não há estímulo para os países plantarem. Então, parem de hipocrisia e comecem a comprar os combustíveis que estamos vendendo. Ou façam parceria com terceiros países. A Europa poderia fazer convênio, como nós fizemos em Gana. Vamos produzir em Gana para vender para a Suécia. Quero dizer uma coisa de coração: se um dia eu chegar à conclusão de que, para encher o tanque de um carro, meu tanque (apontando para a barriga) terá de ficar vazio, vou encher meu tanque primeiro para depois encher o tanque do carro. Não podemos é aceitar a discussão que os países ricos querem nos impor. Desde pequeno eu ouvia dizer que o Brasil seria o celeiro do mundo. Pois bem, a oportunidade se apresenta agora. A Europa não tem mais condição de aumentar a produção agrícola, são poucos os países que têm terra para aumentar. Quem é que tem? O Brasil, a África e a América Latina. O senhor tem dito que o biocombustível e a cana-de-açúcar não pressionam a produção de alimento porque o Brasil tem muita terra, especialmente pastos degradados que poderiam ser utilizados. Se está sobrando terra para plantar cana, por que está faltando para a reforma agrária? Não está faltando terra para a reforma agrária. No governo passado, em oito anos, eles distribuíram 22 milhões de hectares de terra. Nós, em cinco anos, distribuímos 35 milhões de hectares de terra. Qual é a divergência que tenho com o movimento dos sem-terra? É que acho que o problema não é assentar mais gente. O problema é fazer as pessoas que já estão na terra se tornarem mais produtivas. O que não pode é ficar colocando gente num canto, e eles continuarem tão miseráveis quanto estavam ontem. Precisamos aperfeiçoar a produtividade, a assistência técnica, o equilíbrio dos preços para quem já tem terra. Desse drama eu não sofro. O dado concreto é que estamos vivendo um bom desafio, e o Brasil não pode ter medo do bom desafio. O ruim seria se o mundo estivesse precisando de alimento e o Brasil não tivesse terra, tecnologia e conhecimento. Essa escalada no preço dos alimentos deu razão ao Banco Central, que aumentou em 0,5 ponto percentual a taxa básica de juros? Olha, não me peça para discutir o Banco Central. Você pode discordar da visão que o Banco Central está tendo de que a inflação daqui a um ano será de 6% ou 7%, ou você pode concordar. Então, cabe ao governo, em vez de ficar choramingando, tomar atitudes para evitar que os preços da comida subam. Naquilo que são preços que dependem do governo as coisas estão mais ou menos controladas. Então, eu acho que não há necessidade de a gente ter medo da inflação. A inflação tem que ser controlada porque durante 27 anos da minha vida vivi de salário como trabalhador e sei que a inflação é uma desgraça na vida de um operário. Então, precisamos aumentar a produção. Uma economia saudável é aquela em que você tem um crescimento da demanda e um crescimento da oferta andando mais ou menos juntos. Se a oferta cresce mais, você expande suas exportações. À medida que a demanda cresce um pouco mais e a oferta não cresce, temos um problema de aumento de preço. Não está acontecendo isso no Brasil. Não está acontecendo. Porque tem muitos investimentos. Esses investimentos num primeiro momento são consumo, porque você tem que comprar as coisas para construir uma fábrica, mas num segundo momento se tornam oferta. E é com essa idéia que nós trabalhamos para 2009. Os investimentos já estão feitos, já estão acontecendo. Nós passamos 26 anos sem fazer uma fábrica de cimento no Brasil. De repente, fomos obrigados a fazer 10 fábricas de cimento, porque a construção civil foi destravada. E nós não queremos truncar o crescimento. Daí a minha preocupação com o aumento dos juros. A ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, tem a liderança política e a capacidade necessárias para enfrentar os desafios colocados ao país? Por que você pergunta da Dilma e não do Franklin (Martins, ministro da Comunicação Social)? Eu tenho tido todo o cuidado e tenho consciência de que não é o momento de o presidente da República estar em campanha. Tenho dois anos e oito meses de mandato ainda, tem muita coisa para se fazer neste país, e eu não posso perder tempo fazendo campanha. Tomei uma decisão de que nas eleições municipais, onde a base estiver com mais de um candidato, não pense que eu vou lá porque eu não vou. Agora, também não pensem%u2026 Outro dia não sei quem foi que achou absurdo eu dizer que queria fazer meu sucessor. Houve alguém que ficou estarrecido. Ele deveria ficar estarrecido se eu não quisesse fazer. Penso em fazer o sucessor à Presidência da República. Trabalho para isso. Agora, eu tenho uma base muito heterogênea. Com que o presidente precisa contar neste momento? Com a hipótese de que a gente consiga montar uma chapa única da base aliada. Como fazer isso? Nós temos candidato a presidente e a vice, 27 governadores e 54 senadores (nas eleições em 2010). Portanto, temos cargos para contemplar essa base heterogênea. O PSB, por exemplo, é um aliado histórico e tem candidato à Presidência, o deputado Ciro Gomes, um candidato forte porque já foi candidato duas vezes, é uma pessoa conhecida, basta ver nas pesquisas. Mas também é bem possível que outros partidos queiram lançar candidato. E vocês jamais me verão reclamar de um partido querer lançar candidato. Se o PCdoB quiser ter candidato, se o PDT quiser ter candidato, eu acho normal, porque é o momento de o partido colocar a cara na televisão, de dizer qual é o seu programa, a sua proposta. Então, vocês não me verão nervoso porque os partidos terão candidato próprio. Obviamente, se não for possível construir uma candidatura única da base, pode ficar certo de que o governo terá candidato. Por que o senhor escolheu a ministra Dilma? Eu não estou dizendo que será a Dilma. Não sei quem está dizendo que é a Dilma. É muito difícil a gente tentar lançar alguém candidato sem que tenha uma discussão com o partido ou com os aliados. Se você perguntar das qualidades da Dilma, vou dizer para você uma coisa: existem raríssimas pessoas no Brasil com a capacidade gerencial da companheira Dilma Rousseff. Rarísssimas. A Dilma é de uma capacidade de gerenciamento impecável. E, sobretudo, é aquilo que a gente gosta, caxias. Então, eu acho uma figura extraordinária. Agora, entre ser uma figura extraordinária para gerenciar e ser candidata à Presidência é uma outra conversa, porque aí entra um ingrediente chamado política, que exige outras credenciais. Eu não estou discutindo isso agora. No momento certo, provocarei a discussão. Leia íntegra da entrevista na edição impressa do Correio Braziliense Ouça principais trechos em áudio

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