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Entrevista com o presidente do STF, Gilmar Mendes

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postado em 02/07/2008 12:01

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, iniciou uma verdadeira ofensiva contra o vazamento de informações pela Polícia Federal. Para isso, articula a edição de uma nova legislação tratando de abuso de autoridade, que inclua a divulgação de dados de uma investigação em andamento na lista de ilícitos criminais.

Além do assunto, Mendes comentou, em entrevista ao Correio, assuntos como foro privilegiado, Raposa Serra do Sol, ficha suja de candidatos. Confira os melhores momentos da entrevista.

Correio ; Recentemente têm sido comuns alguns casos em que parlamentares ou ministros de Estado ficam com investigações na Polícia Federal e também do Ministério Público pendentes. E o presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva, tem aguardado que se tenha algum indicativo de sucesso ou fracasso nessas investigações para transformar a pessoa em ministro de Estado. É o caso do ex-ministro Antonio Palocci e do ex-ministro de Minas e Energia Silas Rondeau. Dentro dessa nova visão do Supremo de procurar agilizar o julgamento dessas questões, de procurar proferir respostas à sociedade em tempo hábil, essa questão está presente: procurar agilizar o julgamento de inquérito ou de investigações envolvendo grandes personalidades?

Gilmar Mendes ; É claro que nós estamos fazendo um esforço nesse sentido. Os senhores sabem, eu já expliquei aqui, que essas notícias todas que o senhores publicam sobre a chamada prerrogativa de foro muitas vezes têm algumas imprecisões: quanto ao fato de o Tribunal, muitas vezes, não chegar a nenhum resultado quanto à condenação de pessoas. Mas o Tribunal tem emitido juízos muitas vezes conclusivos quanto à absolvição de inúmeras pessoas nos processos. E eu já até brinquei: o Tribunal existe para julgar e não para condenar. Então é preciso, no Estado de Direito, que nós trabalhemos com paradigmas específicos. Então, isso não é referencial.

No processo envolvendo parlamentar, nós temos algumas sutilezas. Com a jurisprudência desenvolvida pelo Supremo Tribunal Federal, entendendo que o parlamentar perde a prerrogativa de foro, nós temos essa ciranda do processo. O processo às vezes está no Supremo, mas o parlamentar não é eleito ou não é reeleito. Então, o processo vai para a instância ordinária. [O parlamentar] é eleito prefeito, [o processo] vai para o Tribunal de Justiça. [O parlamentar] é eleito governador, [o processo] vai para o STJ. Isso tudo, na verdade, contribuiu para este quadro de indefinição, infelizmente.

Correio ; O senhor já tem mais ou menos a previsão de quando devem entrar nos próximos semestres temas polêmicos em julgamento como Raposa Serra do Sol e vários outros que estão pendentes de julgamento, como importação de pneus, etc. O senhor acha que, no julgamento, por exemplo, da Argüição por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) que trata de ficha suja de candidatos esse assunto será definitivamente resolvido ou voltará às pautas a cada eleição?

Gilmar Mendes ; Em relação à Raposa Serra do Sol, essa é a nossa prioridade máxima. Eu estou em contato com o ministro [Carlos Ayres] Britto e vamos saber se conseguimos julgar logo em agosto. Em relação à ADPF, ela também é um tema importante, uma vez que ela tem repercussão sobre o processo eleitoral. Então, nós temos que priorizar o julgamento a fim de termos clareza sobre o tema. Imagino que tenha pedido de liminar (eu não conheço a ação), mas havendo pedido de liminar, certamente vai ser priorizada para o julgamento por conta da repercussão no processo que nós temos, em função do quadro eleitoral.

Correio ; Duas perguntas. A primeira é sobre a questão dos possíveis candidatos com ficha suja. Como o senhor pessoalmente avalia isso: O eleitor deve conhecer na íntegra o histórico dos candidatos e, com isso, ter acesso à chamada ficha suja?

E a segunda [pergunta]. Recentemente, o senhor foi vítima de violência e, em dezembro de 2006, também. Como é que o senhor, como presidente do Supremo, avalia esse tipo de situação? E que recomendação o senhor dá para o cidadão comum que hoje vive numa grande cidade e também teme a violência?

Gilmar Mendes ; A rigor, é muito fácil engendrar um inquérito criminal ou uma acusação contra alguém. Então, quais serão os critérios que nós vamos adotar? Por isso que o TSE [Tribunal Superior Eleitoral], inicialmente, recomendou o resgate de uma idéia antiga e que foi considerada pelo próprio TSE inconstitucional à época, isso sobre o regime militar, que era, eventualmente, a de colocar numa lei complementar ; que é a lei da inelegibilidade ; que aquele que eventualmente respondesse por um processo e que já tivesse sido condenado em segundo grau, que ficasse impedido de disputar a eleição. Esse foi, digamos, o entendimento do TSE.

Eu tenho horror a populismo e muito mais a populismo de índole judicial. Então, eu não me animo a ficar fazendo esse tipo de lista porque eu tenho medo de cometer graves injustiças. E uma injustiça que se cometa já será suficiente para questionar esses procedimentos. De modo que, aqui, os senhores não me terão a favor desse tipo de procedimento.

Quanto à segunda pergunta, a questão da segurança pública hoje se tornou talvez a prioridade número um para tantas pessoas. Tanto é que eu já tive a oportunidade dizer recentemente, quando se colocou o debate sobre emprego ou não das Forças Armadas [na segurança pública] ; eu disse, ;nós não podemos ideologizar esse debate;.

Nós devemos cuidar para que haja uma coordenação necessária entre governo federal e governo estadual no sentido de ter uma ação concertada, uma ação conjunta. É um tema nacional e exige uma ação concertada, políticas públicas, inclusive, que envolvam políticas de índole social com o objetivo de reduzir drasticamente a criminalidade.

Correio ; Como vai, na prática, funcionar esse núcleo de acompanhamento das ações penais originárias no Supremo? Quais serão os efeitos na sua avaliação desse núcleo na celeridade dos processos. Uma segunda pergunta também ligada a isso: o ministro Joaquim Barbosa disse na semana passada que ele espera que o processo, a ação penal do mensalão, se prorrogue em função da apresentação de novas testemunhas, enfim, de recursos das defesas dos acusados, até 2014. Eu queria saber se o senhor tem essa mesma expectativa e se de alguma forma a criação desse núcleo também poderia influir para reduzir o espaço de tempo necessário para a conclusão desse processo.

Gilmar Mendes ; O que nós percebemos aqui é que nós delegamos a parte administrativa da instrução, às vezes toda a instrução, para as instâncias ordinárias. E, muitas vezes, isso é secundarizado tanto no âmbito do Tribunal quanto no âmbito da Justiça que recebe essa delegação. Então o que nós pensamos? Criando este núcleo, haverá esse acompanhamento para que nós evitemos essa demora e acredito que o próprio caso do mensalão é um bom exemplo.

Houve um acompanhamento rigoroso e o interrogatório se realizou a tempo e hora como era desejado, de modo que eu tenho, até como exemplo, esse caso do mensalão para justificar, agora, a criação desse novo setor, desse núcleo especializado. Eu não conheço os dados em que se louvou o ministro Joaquim para emitir esse juízo quanto a esse prognóstico. Todos nós sabemos que o processo criminal continua sendo um processo extremamente complexo com essas múltiplas testemunhas.

Está se fazendo um esforço enorme no Congresso Nacional. Parte dessa reforma já foi feita no sentido de manter a idéia de segurança jurídica, do direito de defesa, mas, ao mesmo tempo, de permitir aceleração no processamento das ações. Mas eu não tenho dados para falar sobre essa perspectiva enunciada pelo ministro Joaquim Barbosa.

Correio ; Matéria publicada no jornal O Estado de São Paulo diz que o Ministério Público quer voltar à discussão da Lei da Anistia. O senhor acha que é o caso, depois de tantos anos, esse assunto voltar ao Supremo?

Gilmar Mendes ; Sempre se pode voltar. A questão básica que precisa ser analisada, do que eu tenho visto na mídia, é que se faz uma distinção entre eventuais crimes perpetrados por agentes de estado e militantes políticos e se diz que a Lei da Anistia teria sido unilateral. Não parece ter sido esse o sentido da Lei da Anistia, no seu início, tal como preconizavam aqueles que a defendiam. Eu acho muito difícil, para um órgão judicial imparcial, como é o Supremo Tribunal Federal, distinguir assassinatos, por exemplo, ou distinguir barbaridades feitas por um ou por outro agente, seja ele privado ou público.

Correio ; O senhor disse que falou com o presidente Lula a respeito dessa nova Lei de Abuso de Poder. Como foi a recepção do presidente Lula a respeito do tema? Como seria a iniciativa? Seria do Poder Judiciário, do Executivo? Já tem algo definido a respeito disso?

Gilmar Mendes ; Nós estamos conversando sobre a necessidade de um novo pacto, pelo Poder Judiciário, republicano, independente, célere como já ocorrido na gestão do ministro Jobim. Mas eu pensava que talvez nós devêssemos avançar um pouco mais em não falar apenas no Judiciário republicano, mas no Brasil republicano, nesse pacto, e trazer algumas questões importantes, que dizem respeito ao Judiciário e a sua institucionalidade, mas também à organização do Estado como um todo.

Mas eu acho que esse é um campo que nós precisávamos, realmente, avançar. E foi numa conversa com o presidente Lula eu disse que é preciso que nós discutíssemos e ele entendeu bem isso. Eu acho que há outras questões que nós podemos discutir e que não dizem respeito, necessariamente, ao Poder Judiciário. Nós estamos precisando, na verdade, de uma nova lei orçamentária. Os senhores sabem que uma boa parte desses escândalos hoje estão sediados nesse modelo de emenda parlamentar e que tem servido a toda essa situação de abuso.

Correio ; O senhor é relator do processo do Palocci. Existe algum prazo para trazer ele a Plenário?

Gilmar Mendes ; Com a maior prioridade.

Correio ; O senhor chegou a declarar, há um tempo, que considerava que a demarcação de forma contínua da reserva indígena Raposa Serra do Sol gerava muitos conflitos e defendeu até a demarcação em ilhas de preservação. O senhor esteve na reserva acompanhado por outros dois ministros. O senhor mantém essa posição sobre a demarcação da reserva?

Gilmar Mendes ; Na verdade quando eu falei sobre esse tema, falei em tese. Não tenho juízo concreto. Só disse que causa espécie muitas vezes grandes extensões principalmente no caso específico em que havia núcleos habitacionais e até municípios dentro dessa área. Vamos aguardar o julgamento, vamos analisar o tema, tendo em vista a prova da posse indígena e todos os problemas surgidos ; e aí teremos uma posição muito clara sobre a situação.

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