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Entrevista: Maristela Basso - Exageros da defesa

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postado em 27/07/2008 07:39
Durante mais da metade dos seus 47 anos, a gaúcha Maristela Basso, pós-doutora em Direito Comparado e Internacional pela Universidade de São Paulo (USP), investiga as tensões entre o interesse público e o privado no ordenamento jurídico de vários países. Para ela, o Brasil atravessa uma "privatização do interesse público", o que leva a uma interpretação de exagerada do que é ilegal ou abuso de poder. Esse fenômeno explicaria prisões e libertações de investigados na operação Satiagraha, da Polícia Federal. A estudiosa afirma que, mencionando a atuação do ex-deputado petista Luiz Eduardo Greenhalg, é preciso ter regras claras que delimitem a atuação do advogado ; profissional que, para ela, já faz lobby. "Advogados são advogados e quem faz lobby é outra coisa. Quem faz lobby, tem que ter outra forma de atuar. Hoje, o advogado não pode fazer". Leia trechos da entrevista:

Qual sua avaliação sobre o uso do habeas corpus tendo em vista as prisões e liberações do banqueiro Daniel Dantas e outros acusados na Operação Satiagraha?

Há uma interpretação exagerada do que seja ilegalidade e abuso de poder. Qualquer coisa passa a ser ilegal, depende da sua análise, e qualquer tipo de decisão pode ser contestada. E essa interpretação tem gerado essa voracidade de medidas de habeas copus, que é um direito constitucionalizado talvez apenas no Brasil.

Essa interpretação decorre do quê?


Decorre do próprio espírito do intérprete da lei. O interesse privado e sua defesa judicial leva a um alargamento desse conceito em detrimento ao interesse público, aquele que faz com que a polícia investigue e o estado processe. Se há, nessas investigações, um bem maior, é o interesse público. Mas quando se dá o primado ao interesse privado, se tende a alargar o conceito de ilegal. Qualquer ato é contra lei. Está ocorrendo a privatização do interesse público. Em países europeus, como Itália e França, há uma tendência atual de que o oceano é de direito público e, de vez em quando, se vê uma ilha de interesse privado. No Brasil, é o inverso.

A senhora concorda com a opinião de advogados de defesa de que a PF está criando um estado policial no país?

Se há, hoje, uma instituição que nós ainda tememos e respeitamos é a polícia. A meu ver, ela não agiu de forma abusiva nessa operação. Para mim, forma abusiva é sem direito e, diante do que foi divulgado, havia direito, sim. A polícia tem que agir dessa forma, não há outra forma de agir num país como o nosso. Alguém me demonstre que ela agiu sem direito.

Essa discussão sobre o uso de algemas em operações policias ocorre em outros países?

Absolutamente. Qual a diferença entre algemar Daniel Dantas e Fernandinho Beira-Mar? O Fernandinho é um delinqüente, traficante, mas no momento da prisão não apresentou resistência, perigo, nem estava armado. Isso é uma bobagem, detalhes para comprometer uma operação. A PF procura demonstrar que não há diferença de tratamento de classes; seja rico, usando terninho Ermenegildo Zegna, ou pobre, usando short na favela. Na Operação Mãos Limpas, na Itália (que em 1992 investigou corrupção nos três poderes), todos os presos saíram algemados, inclusive senador.

O advogado e ex-deputado petista Luiz Eduardo Greenhalgh foi acusado de fazer tráfico de influência no governo para Daniel Dantas. A atuação dos advogados for a dos autos deve ter regras mais claras?

Claro. No Brasil, quando se fala em ética, levanta-se um tabu. A gente teme essas discussões, como se fosse algo comprometedor, um mal contra alguém. Temos que analisar situações de forma objetiva. Esse tipo de comportamento do deputado Greenhalgh é ético ou não? Não, não é e não devia ser feito. E a Ordem dos Advogados do Brasil analisaria o caso. Advogados já fazem lobby. Uns mais outros menos, outros são pagos apenas para isso. Chegou o momento de se ter um marco regulatório. Advogados são advogados e quem faz lobby é outra coisa. Quem faz lobby, tem que ter outra forma de atuar. Hoje, o advogado não pode fazer.

E a permissão de ter apenas lobistas, como ocorre nos Estados Unidos?

Tudo que é para dar transparência, é melhor. Eu sei o que você está fazendo e eu sei que você sabe o que eu estou fazendo, é o correto. Não correto é quando eu percebo que você não entendeu.

Está nas mãos do presidente Lula vetar projeto aprovado pelo Congresso que tornaria os escritórios de advocacia invioláveis a investigações, mesmo as respaldadas em decisões judiciais. A senhora concorda com esse projeto?

Se há mandado, não tem porque negar acesso aos escritórios. Aí prevalece o princípio da confiança. Se quiserem invadir com mandado, e a Justiça entender necessário, pode invadir.

A concentração do poder econômico ajuda nessa tendência de alargamento do direito privado?

Sem dúvida. Essa voracidade de proposição de ações que a gente vê no Brasil ; há uma compulsão para propor ações, advinda do poder econômico. Se você pegasse aquele seu dinheiro, gastasse, investisse em algo que valesse a pena, você talvez não gastasse processando. Como é nos Estados Unidos. As custas nos Estados Unidos são muito elevadas, justamente para evitar essa compulsão por ações. Os gastos com sucumbência (pagamento das custas processuais pela parte vencida) lá são enormes. Como aqui não se há uma sucumbência alta, você tem essa voracidae. Você propõe. Nós advogados dizemos assim: "SPP", "se pegar, pegou". Esse "se pegar, pegou", você ocupou o estado, que deixou de analisar outras demandas mais importantes.

Uma discussão que faz no Judiciário é sobre o acesso por parte da defesa de informações no curso da investigação. Isso ocorreu nos casos do banqueiro Daniel Dantas e do megaempresário Eike Batista, suspeito de fraudar licitações no Pará. Como outros países lidam com essa questão?

Deixa-se investigar. Ele não é ainda um investigado, um condenado. Dar acesso ao investigado à investigação pode comprometer a investigação.

Mas a cúpula do Judiciário não concorda com essa opinião.

Será que se nós perguntarmos para o delegado lá que está investigando, ele não tem uma outra visão? Será que ele não vai nos dizer: não dê acesso ao depoimento de uma testemunha, por exemplo . Até que ponto vale o interesse do investigado em saber e o interesse público que manda continuar a investigação? Como se equilibra isso? Agora, na fase da investigação não se pode, sob pena de jogar a apuração no lixo.

Nosso ordenamento jurídico da muito poder à cúpula do Judiciário?

(Pausa) Acho que os poderes estão equilibrados. Acho só que nós temos que arejar o nosso Judiciário com idéias outras, mais novas, uma nova perspectiva de direito. Os julgadores têm que usar idéias do direito penal, constitucional com direito internacional. De forma que possa ver novas interpretações, que o judiciário não seja replicante.

E a discussão sobre o acompanhamento da mídia, pelas operações?


Ocorre em outros países, em nações européias. Isso acontece e há sempre os dois lados. Se a imprensa não está lá, pode-se questionar a atuação da polícia. A imprensa dá transparência. Ela é importante até para dar legitimidade.

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