postado em 10/08/2008 09:06
Gravações telefônicas feitas pela Polícia Federal revelam como o esquema de fraudes em licitações para a contratação de mão-de-obra terceirizada no Senado se repetiu na Esplanada dos Ministérios. A pasta de Minas e Energia prorrogou até 2009 um contrato sob suspeita. Diálogos mostram, segundo a investigação, como a empresa Conservo articulou a retirada de concorrentes da disputa e comprou o pregoeiro que comandou a licitação no ministério. Essa contratação é alvo de ação criminal já aceita pela Justiça Federal.
O teor das escutas feitas com autorização judicial mostram Paulo Duarte, funcionário da Conservo, negociando com Jean Viegas Alves, servidor do ministério e responsável pelo pregão nº 018/2005. Eles tratam da vitória da empresa numa concorrência para prestar serviços ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), subordinado à pasta de Minas e Energia.
Os relatórios trazem imagens de Viegas se encontrando com Duarte na Rodoferroviária em 13 de fevereiro de 2006, um mês após a publicação do contrato. Segundo os investigadores, Viegas recebeu naquele dia a propina referente a essa licitação vencida pela Conservo.
Os dois foram denunciados pelo Ministério Público Federal e respondem a processo criminal por formação de quadrilha, corrupção e fraude em licitação. Eles foram alvos da Operação Mão-de-Obra da Polícia Federal em 2006, que desmontou um esquema de corrupção em concorrências públicas.
Mas tudo isso não foi o suficiente para o Ministério de Minas e Energia cancelar a contratação da Conservo. Não só prorrogou o contrato sob suspeita, como manteve serviços com a empresa. Nos últimos cinco anos, foram pagos, de acordo com o Portal da Transparência, R$ 9,4 milhões ao grupo.
O contrato investigado é de 2 de janeiro de 2006. O inquérito traz transcrições de diálogos entre os suspeitos no mês anterior, quando ocorreu a licitação. Em 7 de dezembro de 2005, véspera do encerramento do pregão, Paulo Duarte telefona para Jean Viegas com o objetivo, segundo a Polícia Federal e o MPF, de negociar e orientar a exclusão de uma concorrente que estaria atrapalhando os planos da Conservo. ;Por lá não tem jeito de tirar não, né?;, pergunta Duarte. Viegas responde: ;Não, por ali não;.
Preocupado, Duarte pede ao pregoeiro para questionar documento da concorrente: ;Você vai averiguar o papel, entendeu?;. Viegas concorda e avisa: ;Você levanta a lebre e eu recolho;. De acordo com a investigação, a Conservo venceu a disputa dentro do que havia sido combinado.
Três meses depois, Jean Viegas, ainda no ministério, telefonou para Victor João Cúgola, dono da empresa. ;Tô precisando de uma ajuda sua lá;, diz o então servidor. O empresário responde: ;Tá, você quer que eu vá aí?;. O servidor diz que sim e o empresário afirma que vai enviar Rosana Alves de Souza, gerente comercial da empresa. ;Até onde pode-se conversar com ela?;, questiona Viegas. ;Tudo;, retruca Cúgola. Rosana também foi denunciada pelo MPF.
Os dois interlocutores, Cúgola e Viegas, chegaram a ser presos pela PF em 2006. Apesar da denúncia ter ocorrido em agosto daquele ano, somente em janeiro passado o pregoeiro da pasta de Minas e Energia foi demitido por ;não ter mantido conduta compatível; com o cargo. Viegas saiu do ministério, mas a Conservo continuou prestando serviços, inclusive, os que estão sob suspeita de fraude.
A prorrogação do contrato que, segundo a investigação, foi ganho de maneira ilícita, foi publicada no Diário Oficial da União de 9 de janeiro deste ano. A renovação é de 12 meses, ou seja, a Conservo continuará, no mínimo, prestando um serviço sob suspeita por mais cinco meses.
Esquema
Para o Ministério Público Federal, a Conservo repetiu em Minas e Energia a mesma prática adotada no Senado e em outros órgãos públicos. ;Esse caso (no DNPM) ilustra bem o modus operandi da organização criminosa em licitação, compreendendo duas operações básicas: a corrupção dos servidores públicos responsáveis pelo procedimento e a negociação com as empresas que participam do certame;, diz a denúncia criminal.
Na época da assinatura desse contrato, Silas Rondeau era o ministro de Minas e Energia. Na última prorrogação, Nelson Hubner ocupava o cargo interinamente, pouco antes de o atual ministro, Edison Lobão, assumir a função. Na sexta-feira, o Correio procurou a assessoria do ministério, mas não recebeu retorno até o fechamento desta edição.
A reportagem tem tentado falar com Victor Cúgola, dono da Conservo, desde o início da semana. Sua secretária, chamada Raquel, informou que ele não usa mais telefone celular e que não estava na empresa. Um e-mail foi enviado, na tarde de sexta-feira, mas nenhuma resposta foi dada até ontem. Já Paulo Duarte alega que as conversas feitas pela PF estão fora de contexto. Ele também trabalhou para a empresa Ipanema. Jean Viegas não foi localizado. Em depoimento à polícia em 2006, ele confirmou os diálogos, mas negou ter feito qualquer ajuste financeiro.
Entenda o caso: Polícia flagra ação ilegal
A Operação Mão-de-Obra foi realizada em julho de 2006 pela Polícia Federal para desarticular um esquema de fraudes em licitações de órgãos públicos. Foram presos empresários, servidores públicos e realizadas buscas e apreensões nos órgãos investigados. A PF e o Ministério Público Federal identificaram indícios de irregularidades em contratos mantidos pelo Senado, pelos ministérios da Ciência e Tecnologia, da Justiça e do Trabalho; pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), ligado ao Ministério de Minas e Energia.
A PF indiciou 19 pessoas sob a acusação de crimes como formação de quadrilha e cartel, fraude em licitação e corrupção. O inquérito resultou em denúncias criminais e cíveis na Justiça. Algumas delas já se transformaram em processos, mas ainda não houve sentença. No âmbito administrativo, quase nada foi feito para penalizar as empresas denunciadas. A Abin, por exemplo, cancelou um contrato suspeito e realizou nova licitação. O Senado nada fez. Aliás, renovou as contratações.
Na semana passada, o Correio publicou detalhes da investigação sobre as irregularidades na Casa do Congresso. Três contratos sob suspeita vêm sendo renovados desde a realização da Operação Mão-de-Obra, envolvendo um total de recursos superior a R$ 35 milhões.
Pressionado, o presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), resolveu se mexer. Ele anunciou a realização de licitações em até 60 dias para substituir contratos com a Conservo e com a Ipanema, empresa também investigada pela Operação Mão-de-Obra. Foi uma derrota política do primeiro-secretário da Casa, senador Efraim Morais (DEM-PB), do diretor-geral, Agaciel Maia, e do advogado-geral, Alberto Cascais, que, de início, não viram razões para o cancelamento dos contratos.
A medida anunciada por Garibaldi não impedirá que as empresas investigadas disputem e eventualmente vençam as concorrências anunciadas por ele. Para o Ministério Público Federal, porém, existem instrumentos legais, como a Lei de Licitações, que respaldam a adoção de medidas administrativas pelo Senado para barrá-las na concorrência.