postado em 10/08/2008 09:06
Rio de Janeiro ; Na cidade do tráfico e das milícias, de territórios proibidos e outros de extrema visibilidade, do asfalto e dos morros, cientistas políticos, consultores de imagem e até a polícia têm se debruçado sobre a difícil arte de fazer campanha. Por razões diferentes, profissionais de diversas áreas têm preparado para os candidatos cariocas verdadeiros manuais de sobrevivência, a fim de que terminem a disputa sem grandes escoriações e, se possível, eleitos. Os policiais, por exemplo, agem para garantir proteção. Já os marqueteiros, para asfaltar o caminho até as urnas.
;Talvez não exista lugar mais complicado para fazer campanha do que o Rio. Até porque eleição pressupõe contato com o maior número de eleitores, e no Rio essa lógica nem sempre é possível;, diz o especialista Ronald Amaral Kuntz, autor de dois best-sellers da área: Marketing Político ; Eficiência e Serviço do Candidato e Marketing Político: Manual Prático de Campanha. Dono de um concorrido curso de administração de campanhas, Kuntz resume assim o mapa para uma travessia segura do campo minado político da cidade: cuidado onde pisam.
Numa cidade que tem 5,5 milhões de pessoas e 4,5 milhões de eleitores, é impossível se eleger prefeito, e em muitos casos vereador, sem conseguir votos dos cerca de um milhão de moradores das mais de 700 favelas do município. Para a polícia, não há dúvida de que na quase totalidade dessas comunidades as associações de moradores funcionam como prepostos do poder paralelo, seja o tráfico ou a milícia. Como para entrar é preciso ;conversar; com essas lideranças, a moral da história é simples: para arrecadar votos em muitas áreas carentes, é necessário pedir permissão, ou fazer acordo, com o poder paralelo.
Talvez por isso, apenas a candidata a vereadora pelo PT Ingrid Gerolimich formalizou denúncia por ter sido impedida de fazer campanha na Rocinha, na Zona Sul da cidade. ;A Ingrid fez mais um ato de marketing. Se ela podia conseguir algum voto na Rocinha, agora não vai conseguir. Não dá para fazer campanha escoltado pela polícia;, declara o cientista político Geraldo Tadeu Monteiro, presidente do Instituto Brasileiro de Pesquisa Social (IBPS).
Monteiro lembra que todos conhecem as regras tácitas para se andar numa favela: entrar em contato com o líder comunitário, ser acompanhado por alguém da associação, não se aproximar de bocas-de-fumo, não tirar fotografia nem filmar e só seguir trajetos pré-determinados. Segundo Tadeu, o fato novo da eleição é a ação explícita de milicianos para criar ;bancadas; nas câmaras municipais do Grande Rio.
Se em 2004 pouca gente deu importância para a eleição dos vereadores Josinaldo Francisco da Cruz (DEM), o Nadinho de Rio das Pedras (favela onde surgiu a milícia carioca), e de Jerônimo Gonçalves (PMDB), o Jerominho (suspeito de chefiar a milícia na zona Oeste do Rio), desta vez a estratégia do poder paralelo ficou mais explícita. Nadinho e Jerominho estão presos, mas apóiam abertamente outros candidatos.
;As milícias estão fazendo campanhas abertas, agindo ativamente para eleger seus representantes, porque perceberam que para ter proteção precisam estar dentro do aparelho do Estado;, explica Monteiro. Esse movimento levou o tráfico, geralmente ausente nas campanhas, a se mexer para também fazer bancada, diz Monteiro. Um exemplo da indecência eleitoral carioca foi a descoberta de um carro clonado da Polícia Civil com material de campanha dos irmãos Jerominho e Natalino Guimarães (DEM), deputado estadual preso e ameaçado de cassação.