Eunápolis (BA) ; A anulação das licenças ambientais da Veracel pela Justiça Federal acendeu a luz de alerta no governo da Bahia. Qualquer novo licenciamento está condicionado a um diagnóstico do que realmente existe no extremo sul do estado em termos de área plantada de eucalipto. O secretário do Meio Ambiente, Juliano Souza Matos, afirma que ;existem informações contraditórias, que não batem;. Ele diz que o estado, os municípios e as empresas têm informações divergentes. O promotor João Alves Neto, de Eunápolis, afirma que mais de 40% da área agricultável do município está ocupada por eucaliptos. Em Porto Seguro (BA), há dois anos está proibida a concessão de novas licenças. Ministério Público e políticos locais se preocupam com o aumento do êxodo rural e com o inchaço das cidades.
O prefeito de Porto Seguro, Jânio Natal (PR), afirma que o seu município foi ;o que mais sofreu com a Veracel. Houve um êxodo rural muito grande. Os pequenos agricultores venderam suas terras e foram procurar uma cidade onde tivessem uma melhor perspectiva de vida. Vieram todos para a periferia de Porto Seguro;. Ele diz que houve uma redução expressiva nas lavouras de feijão, mandioca, batata, mamão. Os empregos gerados na fábrica, assegura, foram preenchidos por ;gente que veio de outros estados;. Os impostos ficaram com Eunápolis, onde está a fábrica.
Em Santa Cruz de Cabrália, o vereador Dalvino Nascimento (DEM) afirma que 75% do município está tomado por eucaliptos. ;A empresa veio com meio mundo de promessas na área social. Mas tirou muitos camponeses do campo, gente pobre, analfabeta. Hoje, estão na periferia das cidades, entregues à própria sorte.; Pequeno produtor, ele resistiu e não vendeu suas terras. Afirma que um córrego e duas barragens secaram na sua fazenda. ;Eles plantaram eucaliptos nas nascentes;, reclama.
A Veracel contesta as autoridades locais com um estudo da Fundação Getúlio Vargas sobre desenvolvimento sustentável na região. A contribuição anual direta da empresa para a economia brasileira é estimada em R$ 500 milhões. A participação na economia do sul da Bahia teria atingido 28% entre 2003 e 2006. Em Santa Cruz de Cabrália, teria chegado a 46%. A empresa mantém hoje 3.859 empregos permanentes, sendo 725 diretos e o restante terceirizado. Mas a FGV calcula que a sua cadeia produtiva gera cerca de 30 mil postos de trabalho no país. Desde a instalação da fábrica, a empresa teria sido responsável por quase 20% dos postos de trabalho criados na região.
;Sem-pasto;
Só neste ano, o promotor João Alves Neto registrou a ocorrência de cerca de 2,4 mil animais soltos em estradas do município. Dezenas deles foram apreendidos e abatidos. O promotor foi procurado por produtores que diziam estar organizando um movimento de criadores de gado ;sem-pasto;. Seria um reflexo da falta escassez de pastagens da região, com a chegada dos eucaliptos.
O ex-governador Paulo Souto (DEM) também cita o estudo da FGV quando analisa o suposto aumento do êxodo rural. ;Na verdade, o eucalipto entrou substituindo pecuária, que não é, também, uma atividade geradora de mão-de-obra. Entre a situação que existia antes, de uma pecuária de baixa qualidade, e um plantio de madeira industrial, eu não vejo prejuízos para a região;, afirmou Souto. ;Temos que ter a preocupação de não avançar muito em alguns municípios que já tenham um determinado nível de ocupação, mas o licenciamento cuidou disso. De um modo geral, acho que é uma coisa que desenvolveu muito o extremo sul.;
O secretário do Meio Ambiente Souza Matos tem uma visão um pouco diversa. ;O eucalipto chegou, na década de 1970, substituindo a pecuária extensiva, mas de uma forma que incluiu pouco do ponto de vista social. Muito pelo contrário. Tivemos muitos problemas sociais e ambientais. Evidentemente, isso não pode voltar a acontecer;, disse ele. ;As propostas que têm chegado ao estado, das empresas, são bem mais cautelosas. São projetos que prevêem 50% de reserva legal, e não apenas 20%. Todas sobre área de pasto;, ponderou Souza Matos.
Mas o secretário argumenta que é preciso saber qual a capacidade que os ecossistemas no extremo sul têm de suportar o que já existe e quais são as possibilidades de ampliação da cultura do eucalipto na região. ;Não dá para fazer licenciamento de varejo, licenciando pedidos isolados e perdendo a noção do acúmulo do impacto ambiental que a atividade gera. Essa avaliação é componente do zoneamento econômico ecológico das diversas atividades do extremo sul.; João Alves abriu inquérito civil para apurar irregularidades nos licenciamentos. ;Desde a instalação da Veracel, os órgãos estaduais licenciaram sem qualquer compromisso de fazer o zoneamento. Com isso, o plantio de eucalipto ultrapassou em muito aquilo que foi permitido. E não tem mais espaço para a cultura de subsistência e pastagens;, afirma o promotor.
Nas proximidades da fábrica, o dono da fazenda Nova Conquista, de 474 hectares, criava 800 cabeças. Ele agora integra o grupo de fomentados da Veracel. Cedeu o seu campo para o plantio de eucaliptos. A realidade do mercado de trabalho não mudou muito. O empregado Jesus dos Santos continuou trabalhando na fazenda. Agora são quatro funcionários, todos recebendo salário mínimo. Ele conta que, na época de criação de gado o salário era o mesmo, mas havia apenas dois empregados. Na época do plantio, foram contratados 50 funcionários, mas apenas por dois meses. Novas contratações somente na hora da colheita, sete anos após o plantio.
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Defesa da legalidade
O diretor-presidente da Veracel, Antonio Sergio Alipio, afirma que a sentença da Justiça Federal é ;exorbitante;. Ele afirma que a denúncia, feita em 1993, foi de um ;suposto desmatamento de 64 hectares;. Na época, diz, um perito judicial ;apontou a inexistência desses danos supostamente cometidos pela empresa;. Ainda assim, a Veracel, na época Veracruz, ;não plantou eucalipto e fez a recuperação integral da sua área. Foram convertidos em Mata Atlântica;. Argumenta que as atividades da empresa estavam ;acobertadas; por uma licença ambiental, emitida pelo órgão responsável do estado, com as devidas licenças do Ibama.
Alipio acrescenta que ;as práticas e políticas da Veracel caminham no sentido contrário a esse possível dano. Nós temos, para cada hectare plantado um hectare de área preservada, o que significa, hoje, ter protegido na região algo em torno de 104 mil hectares de áreas nativas. Então, essa sentença colide com as práticas e as políticas da empresa;.
O diretor-presidente defendeu a legalidade e a legitimidade das doações eleitorais feitas pela empresa: ;O que pretendemos? Participar do processo democrático constituído. Não procuramos benefícios diretos à empresa. Não é um ato para obtermos vantagem junto aos poderes Executivo e Legislativo. O objetivo é termos uma representação equilibrada do ponto de vista da discussão de interesses do setor;.
Sobre a denúncia de oferecimento de propina a um vereador, ele relatou as providências tomadas: ;Que nós não fizemos, temos certeza. Queríamos saber se fizeram por nós. Chamamos os fornecedores e os pressionamos fortemente. Eles negaram. A Câmara Municipal nos enviou um oficio declarando que o fato não ocorreu;.
Alipio reconheceu que ocorreram alguns casos em que prestadoras de serviço foram chamadas à Justiça do Trabalho. A Veracel acabou sendo responsabilizada solidariamente. Mas acrescentou que não há nenhum caso julgado contra a empresa. O modelo de desenvolvimento implantado pela empresa no sul da Bahia é defendido pelo seu diretor-presidente.