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O Preço da Devastação: Os filhos esquecidos da Veracel

Com a chegada da fábrica de celulose, o povoado de Barrolândia, no interior baiano, ganhou obras de saneamento e serviços de saúde, mas ficou com herança cruel: o abandono de crianças de ex-funcionários

postado em 28/08/2008 08:43
Belmonte (BA) ; Distante apenas 18km da fábrica de celulose Veracel, o povoado de Barrolândia sentiu os maiores impactos desse empreendimento, tanto nos aspectos positivos como negativos. A vila miserável ganhou ruas calçadas, saneamento básico, hospital, ambulância, mas sofreu as conseqüências da invasão de cerca de 4 mil operários no período de construção da fábrica. Houve o aumento da prostituição e da incidência de doenças sexualmente transmissíveis. Muitos dos operários tiveram relacionamentos com as jovens locais. Com o fim da obra, foram embora e deixaram para trás meninos sem pai e, muitas vezes, sem sobrenome. São conhecidos na vila como os ;filhos da Veracel;. Barrolândia já havia sofrido com o ciclo das serrarias, que destruíram grande parte dos remanescentes de Mata Atlântica nas décadas de 1970 e 1980. No povoado chegaram a funcionar nove serrarias. Ali havia cerca de quatro mil habitantes quando começou a construção da fábrica, em 2003. Uma pesquisa feita pelo Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia (Cepedes) revelou dados alarmantes. Cerca de 50% da população vivia em situação de miséria absoluta, com renda familiar de menos de um salário mínimo. A outra metade vivia em situação de pobreza. Os detentores de renda não moravam ali. O índice de desemprego beirava os 38%, contra uma média nacional de 9,4%. A vila tinha ainda um dos maiores índices de hanseníase do país. A notícia da implantação da fábrica trouxe otimismo e muitos forasteiros. ;Houve uma corrida para cá. Barrolândia era um novo ;Eldorado;. Criou-se uma expectativa muito grande de geração de empregos. Mas o povoado não tinha estrutura para receber essa demanda. Não houve planejamento;, relata o atual administrador da vila, Eráclito Lima Santos, funcionário da Prefeitura de Belmonte. ;No período de implantação da fábrica, tivemos aqui cerca de 4 mil homens alojados, que eram da construção civil da fábrica. Isso nos gerou problemas, como as doenças sexualmente transmissíveis.; Veja vídeo: entrevista com o administrador de Barrolândia Sem registro Ele conta as conseqüências dessa invasão: ;Com a vinda desse volume de pessoas para cá, todas do sexo masculino, houve uma situação que é natural. Muitas meninas acabaram arranjando namorado, outras se prostituíram em conseqüência da falta de emprego. Em função disso, ficaram muitas crianças. Alguns trabalhadores já deviam ter família. Vieram e constituíram família aqui também. No final do serviço, foram embora e ficaram os ;filhos da Veracel;;. Eráclito afirmou que, ;vendo essa situação, a Veracel chegou à conclusão de que era necessária uma creche, para essas crianças e também os outros meninos do povoado;. R.B.S. hoje com 25 anos, namorou um operário da Veracel. Ela conta como tudo aconteceu: ;Ele veio logo no começo, para construir o alojamento. A gente namorou uns oito meses, e fiquei grávida. Ele foi embora, mas assumiu o filho até os oito meses. Ajudou com o berço, o enxoval. Veio registrar o menino, mas o cartório estava fechado. Depois, não apareceu mais. O meu filho não é registrado.; Ela sustenta o filho com a renda de um bar, cerca de R$ 500 por mês. Só vende bebidas alcoólicas. A amiga C.J.S. também namorou um funcionário que morava no alojamento. Tinha 21 anos então. Terminada a obra, o namorado foi embora, como ela relata. ;Falei para ele por telefone que tive o filho. Ele estava em Paulo Afonso (BA). Ele disse que viria, mas nunca veio. O meu filho está registrado só com o meu nome;. Ela também vende bebidas num boteco. Eráclito afirma que não houve diálogo com a empresa durante a construção da fábrica, mas que agora a Veracel tem sido ;parceira; do município de Belmonte, principalmente nos últimos quatro anos. ;A implantação do esgotamento sanitário é uma realidade em Barrolândia. Temos 80% da sua sede com esgoto tratado. Temos um hospital que funciona, uma ambulância. O povoado tinha um índice altíssimo de hanseníase. Hoje esse índice é aceitável. Na questão de educação, temos uma creche em parceria com a Veracel;, registra. O presidente da Veracel, Antonio Sergio Alipio, afirma que o alojamento da empresa em Barrolândia abrigava 1,5 mil operários. Ele nega que a creche tenha sido construída especificamente para abrigar os meninos sem pais. ;O que é creche era uma escola. A demanda da comunidade era que tivesse uma creche. A decisão de transformar escola em creche foi da comunidade. Mas, atrás da creche, temos quatro salas para cursos de corte e costura, informática;. Ele acrescentou que o prédio usado como alojamento está sendo utilizado como um centro de serviço social.

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