postado em 07/09/2008 08:10
Na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) daria para fazer um filme de época. Ali, as coisas são de 30, 40 anos atrás. A definição de um ex-dirigente da corporação mostra bem o atual retrato do serviço secreto brasileiro. Criada por lei em dezembro de 1999 em substituição à Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), a agência ainda não conseguiu se firmar como a principal instituição de assessoria estratégica da Presidência da República e de defesa dos interesses nacionais. Em vez disso, vem sendo acusada de bisbilhotar ilegalmente a vida de autoridades de outros poderes.
Na semana passada a agência entrou mais uma vez no epicentro da crise política. Foi apontada como a responsável pela gravação de um telefonema entre o senador Demostenes Torres (DEM-GO) e o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. O governo e a direção da agência negaram qualquer participação na arapongagem. Mesmo assim, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu afastar temporariamente o diretor-geral Paulo Lacerda e outros dois auxiliares. Para apurar a denúncia, foi aberta uma sindicância interna na agência e um inquérito na Polícia Federal.
Os problemas na instituição são antigos. Desde sua criação enfrenta denúncias de arapongagem ilegal, crises internas e recursos minguados. O orçamento anual para a instituição é de R$ 300 milhões. Grande parte destinada a pagamento de salários. Somente R$ 50 milhões são direcionados às operações de inteligência. Segundo estimativas de dirigentes da agência, o Brasil gasta oito vezes menos nessa área do que a vizinha Argentina. Fica longe do que destina o serviço secreto inglês, que somente em uma operação depois do ataque às torres gêmeas em Nova York desembolsou cerca de 70 milhões de libras esterlinas para tentar evitar outros atos terroristas.
Falta tudo na Abin. Desde pessoal até instalações físicas. O estande de tiro está completamente obsoleto. A última reforma aconteceu em 1974 e é motivo de galhofa entre os próprios funcionários. Poucas armas são modernas e ainda existem aparelhos analógicos para escuta telefônica em plena era digital. Projetados ainda na década de 1950, os prédios onde funciona a sede da instituição, em Brasília, já passaram por várias adaptações, mas até hoje parecem antigas instalações militares. Além disso, a Abin perdeu parte do terreno onde está para as agências Nacional de Águas (ANA) e Espacial Brasileira (AEB). O quadro funcional não é muito diferente. Mais de 30% dos servidores são considerados em ;idade avançada;.
Coleta de dados
Ao todo, são 1,6 mil funcionários administrativos e operacionais em 27 estados e Distrito Federal, responsáveis pela coleta de dados tão importantes quanto a atuação de organizações não-governamentais (ONGs) ambientalistas na Amazônia suspeitas de biopirataria e espionagem, além de vestígios de terrorismo nas fronteiras e sabotagem de empresas públicas e privadas.
O governo programou para outubro um concurso para preencher 190 vagas, sendo 160 para agentes de inteligência e 30 oficiais. Já se inscreveram 80 mil pessoas. Atualmente, dos 600 servidores que trabalham na sede, apenas 80 são de operações. Outros 30 estão na área de contra-inteligência, responsável pelo alerta de riscos para a segurança nacional. Nos últimos três exames realizados para admissão para o órgão, os salários eram tão baixos que o índice de evasão chegou a 75%.
Foi o período do entra-e-sai na agência que passou a espalhar pessoas treinadas como agentes secretos para serem funcionárias públicas que preferiram optar por outras áreas do governo, que pagavam mais. Ou para a iniciativa privada, onde atuam como arapongas ou detetives particulares. Para a formação ideal de um analista, são necessários, no mínimo, 15 anos. A direção da agência estimou que necessita de pelo menos mais mil analistas até 2010. Mas não há como nem onde treiná-los, muito menos espaço para acomodá-los.