postado em 12/09/2008 09:15
O ex-agente do Serviço Nacional de Informações (SNI) Francisco Ambrósio do Nascimento confirmou, em entrevista ao Correio, que manuseou dados sigilosos durante as investigações que culminaram na Operação Satiagraha, deflagrada pela Polícia Federal em julho. Ambrósio admitiu, conforme reportagem publicada ontem, ter analisado dados da Operação Chacal, deflagrada em 2004, que também tinha entre um dos investigados o banqueiro Daniel Dantas. O trabalho, segundo o espião, era analisar se as informações sigilosas configurariam "algum indício de crime" para depois repassar ao delegado Protógenes Queiroz, responsável pela Satiagraha."A questão do entendimento da Polícia Federal que eu manipulei dados sigilosos é uma questão subjetiva. Porque, para eu manipular dados sigilosos, eu tinha que tomar conhecimento total do assunto que se tratava", justificou. Francisco Ambrósio, que negou ter feito escutas ilegais, disse que não coordenou uma equipe de arapongas da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na operação. "Escutas ilegais aqui em Brasília, não foi, de forma alguma", afirmou.
O ex-araponga sustenta que sua participação foi a "mínima possível", embora tenha admitido que ficou sabendo que um dos alvos da ação era Daniel Dantas. "Isso aí você acaba sabendo por eliminação". Ele afirmou que não conhece Paulo Lacerda, diretor-geral da Abin que foi afastado em definitivo ontem.
"Escutas ilegais aqui em Brasília, não foi, de forma alguma"
ENTREVISTA/ Francisco Ambrósio
Qual a participação do senhor na Operação Satiagraha?
É a mínima possível, porque era uma operação que vinha se desenrolando há quatro anos, e eu entrei há apenas seis meses, desde o começo de março e quando se deu o encerramento no dia 8 (de julho) eu fui completamente desligado.
O senhor fez escutas ilegais nesta operação?
Não. Escutas ilegais aqui em Brasília, não foi, de forma alguma, em momento algum.
Então qual o serviço que o senhor desempenhava na operação, já que consta que o senhor manipulou dados sigilosos na operação, segundo a PF?
O entendimento da Polícia Federal de que eu manipulei dados sigilosos é uma questão subjetiva. Porque, para eu manipular dados sigilosos, eu tinha que tomar conhecimento total do assunto que se tratava. Eu simplesmente fazia uma seleção daquilo que, por ventura, pelo assunto pudesse ali se transformar num indício de algum crime. Então, eu não fazia análise disso aí, se havia alguma coisa que dizia respeito a análise financeira, eu não sou perito financeiro, nunca foi a minha área. Eu não sou administrador, então coisas de administração que eu não conheço. O que eu fazia? Eu selecionava apenas;
Selecionava o quê?
Esses documentos, tá. Esses documentos que chegavam, um e-mail ou outro.
Então o senhor tinha acesso a e-mails constantes da investigação?
Eu não entendo que os e-mails que eu cheguei a ver, a selecionar, fizessem parte desta investigação, porque eram e-mails de 2004.
Da operação Chacal (que investigou grampos da Kroll)?
Eu acredito que sim, porque isso aí eu não perguntei. Agora, explicitamente, falando com toda sinceridade, em nenhum momento me foi dado acesso ao processo, aos autos da investigação, quantas pessoas estavam sendo investigadas.
Mas o senhor sabia que o alvo era o banqueiro Daniel Dantas?
Sim. Isso aí você acaba sabendo por eliminação. Mas não me competia, porque não me foi pedido, a análise de absolutamente nenhum papel. Simplesmente isso aqui é uma planilha, então vai para a área financeira. O perito financeiro que analisa. Por quê? Porque ele vai formatar o documento dele, vai periciar se aquilo tem algum erro e incluir em algum lugar. Mas, a minha pessoa, em nenhum momento redigiu ou analisou qualquer tipo dessa coisa. Era mais uma passada de olhos, vamos dizer assim.
Então, a afirmação de que o senhor era o coordenador de agentes estava certa?
Não, não estava certa. Não estava por quê? Eu chegava às 8h da manhã, fazia o meu trabalho e deixava consignado aquilo que eu tinha feito durante o dia. Então eu não chegava a falar: você vai fazer isso, você vai fazer aquilo. Simplesmente era feito uma planilha daquilo que era separado.
A cúpula da Abin sabia da sua atuação nessa operação?
Olha, em primeiro lugar, nós devemos deixar a Abin de fora, porque não foi a Abin que me indicou. Eu já estava aposentado lá. Com relação a minha pessoa, absolutamente sem participação. Diga-se de passagem, eu não conheço o doutor Paulo Lacerda.
E a cúpula da PF?
Com relação à direção da Polícia Federal, com toda franqueza, quando fui contratado para fazer esse pequeno serviço, que é ínfimo, eu entendi que era do conhecimento da Polícia Federal. Porque, a partir do momento em que recebo um pro-labore, assino um recibo, a coisa fica praticamente institucional. Então eu não sabia, com toda franqueza, que estava lá dentro ilegalmente. Se eu tivesse lá dentro ilegalmente, eu nem entrava. Mas eu chegava todo dia 8h da manhã, me identificava, saía para almoçar, 2h da tarde me identificava novamente na recepção, e ficava até às 18h.
O senhor afirma que sua participação foi ínfima, embora tenha admitido que selecionava trabalhos para os agentes que participariam da operação. O senhor tem informações coletadas ao longo desses 5 meses que poderiam abalar a investigação?
Sinceramente, não. Em primeiro lugar, vamos deixar claro uma coisa. Eu não repassava aquilo que eu selecionava para agente ou perito. Eu terminava o meu serviço e isso ficava registrado, e eu ia para casa. Os peritos, se quisessem fazer uma análise, chegavam e pegavam aquilo que eu tinha sido separado. Mas eu não entregava na mão de ninguém, ;olha, isso aqui é para você analisar;. Por que eu digo isso? Porque eu acredito piamente que eu não posso contaminar isso aí (a investigação). Eu não tive acesso aos autos. Pelo que me consta, esta operação (Satiagraha) tem quatro anos que ela se desenvolve. Alguns dados que, por ventura, eu tenha visto se refere há quatro anos. Não sabia do desenrolar da atualidade, sequer fiquei sabendo se aquilo que eu fiz serviu para complementar alguma coisa dentro do inquérito, porque o inquérito (Satiagraha) já estava funcionando. O que você (sic) fazia? Separava e o delegado Protógenes analisava se precisava ou se não precisava e ele que determinava a quem de direito faria a análise daquilo, não o Francisco Ambrósio.
Como se deu a sua contratação pelo delegado Protógenes Queiroz?
Estava aposentado há dez anos. Tenho amigos ; não é porque sai do serviço que perdi a amizade ; e um amigo em comum da aeronáutica me procurou e perguntou a mim para saber se eu tinha interesse em realizar um trabalho para um conhecido dele. Olha, realmente eu estava aposentado, sem fazer nada, sentindo um inútil dentro de casa, envelhecendo aqui em Brasília. Se tiver alguma oportunidade de trabalho que eu possa fazer uma complementação de renda, eu toparia sim. Aí fui apresentado ao doutor Queiroz. Aí ele conversou comigo que nessa parte administrativa ia precisar de uma pessoa para fazer a seleção. A parte administrativa da coisa não existia.
O que o senhor considera parte administrativa?
O que eu estava fazendo, na realidade, qualquer agente administrativo da Polícia Federal poderia fazer. Era simplesmente separar (documentos).
Quanto o senhor recebeu da polícia?
Recebi R$ 9 mil durante o período todo. Uma vez que tinha o recurso, me pagavam de 15 em 15 dias. Eu acredito que não tenha chegado a R$ 9 mil, porque foi março, abril, maio, junho e julho (durante cinco meses, o que dá R$ 1,8 mil mensais, conforme publicou o Correio ontem).
O senhor se considera um bode expiatório?
Não posso me considerar um bode expiatório. Eu não posso dizer que fui bode expiatório de alguém. Por quê? Porque foi uma infelicidade que aconteceu. Mas, fazer o quê? Não vejo, sinceramente, eu como bode expiatório. São os espinhos da vida.