Enquanto no Brasil as medidas para monitorar as escutas telefônicas autorizadas pela Justiça ainda estão engatinhando, a Justiça dos Estados Unidos já faz um rigoroso controle de grampos legais há quase 30 anos. Anualmente, o escritório administrativo das Cortes norte-americanas analisa as interceptações telefônicas feitas naquele país. Os dados são repassados ao Congresso Nacional. O controle sobre as escutas é tanto que o órgão oficial, o Administrative Office of the United States Courts, chega a detalhar, por exemplo, o gasto médio com interceptações em 12 meses e se uma investigação com escuta telefônica resultou em condenação. Estudo inédito da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados, encomendado pelo deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR) a pedido do Correio, revelou que o Brasil grampeia pelo menos 180 vezes mais que os Estados Unidos. Enquanto aqui foram feitas 409 mil escutas no ano passado, segundo dados preliminares da CPI dos Grampos, naquele país foram registrados apenas 2.208 escutas. O trabalho concluiu que há ;banalização; no uso do instrumento no Brasil. E que existem sinais de ;relaxamento; das autoridades públicas nos procedimentos para solicitar, autorizar e acompanhar as interceptações telefônicas judiciais. Na CPI, há um consenso entre os deputados sobre a importância do uso de escutas em investigações. Mas também impera a preocupação com eventuais excessos. ;A escuta é fundamental para combater o crime organizado, crimes de colarinho branco e a corrupção, mas a polícia não pode descuidar de outros elementos de prova;, disse o presidente da comissão, deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ). Em meio a um cenário de desinformação quanto ao total de escutas, a CPI tenta fazer uma radiografia da situação. Solicitou mais uma vez às operadoras de telefonia que remetam dados à comissão para que os deputados tentem chegar a um número preciso. Em outra frente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu criar uma central de dados sobre grampos, com novas regras para que os magistrados autorizem as escutas telefônicas legais. Entre as principais medidas está a obrigação de que os juízes informem todos os meses quantos grampos eles autorizaram. Independência A intenção do CNJ é aperfeiçoar o quase inexistente controle sobre os grampos autorizados pelo Judiciário do país. ;A decisão não afeta a independência dos juízes ou a autonomia de julgar ou de deferir os processos. A idéia é trabalhar com as corregedorias dos tribunais e do CNJ de modo a fazer um acompanhamento e verificar eventuais desvios ou tendências;, afirmou o presidente do conselho e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, na ocasião. No mesmo dia em que o CNJ criou a central de escutas, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou dois anos de interceptações telefônicas feitas pela Polícia Federal contra o Grupo Sundown, do Paraná. Em uma decisão inédita, o STJ entendeu que os grampos foram ilegais e abusivos por terem sido prorrogados sem justificativa razoável. Os ministros da Corte lembraram que, por lei, as escutas só podem ser feitas por, no máximo, 30 dias. A condenação de dois empresários foi anulada. ;Dois anos é devassar a vida desta pessoa de uma maneira indescritível. Essa pessoa passa a ser um nada;, disse o ministro Paulo Gallotti. Se a central das escutas já estivesse em vigor, o caso poderia nem ter chegado ao STJ. Crimes De acordo com o relatório norte-americano, muitos estados têm legislações semelhantes à brasileira, limitando em 30 dias o período para as escutas. Assim como no Brasil, no entanto, alguns grampos são prorrogados por ordem judicial. No ano passado, por exemplo, uma escuta telefônica feita durante uma investigação estadual em Nova York durou 556 dias ; o período do grampo foi prorrogado 18 vezes. Por outro lado, 17 grampos feitos em investigações federais e 60, em casos estaduais, duraram menos de uma semana. A média do tempo das interceptações, segundo o relatório, foi de 29 dias em 2007. O documento revelou, também, que os grampos foram utilizados de forma mais ampla, naquele país, para combater o tráfico de drogas. Das 2.208 escutas autorizadas por juízes norte-americanos no ano passado, 1.792 foram feitas em investigações relacionadas a esse delito ; 81% do total. Homicídos e assaltos vêm em segundo lugar, totalizando 132 casos de grampo (5,9%). Uma curiosidade: somente em 32 casos de corrupção (1,4%) houve registro de grampos.
De acordo com o relatório, 4.830 pessoas foram detidas nos Estados Unidos em 2007 após investigações em que houve grampo. Ao todo, também no ano passado, 984 pessoas foram condenadas ; 20% do total de detidos no período. Segundo o relatório, a Justiça gastou, entre 2000 e 2006, US$ 23 milhões para fazer escutas nos Estados Unidos. No ano passado, o gasto médio para grampear investigados foi de US$ 48,4 mil.