postado em 28/09/2008 06:00
Foram 32 minutos e 50 segundos o tempo que durou um dos mais famosos e emocionantes discursos feito pelo deputado Ulysses Guimarães, presidente da Assembléia Nacional Constituinte. O parlamentar, que teve que interromper sua fala por várias vezes por causa dos aplausos de seus colegas que lotaram o plenário da Câmara no dia 5 de outubro de 1988. "Quando, após tantos anos de luta e sacrifícios, promulgamos o estatuto do homem, da liberdade e da democracia, bradamos por imposição de sua honra: temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. Amaldiçoamos a tirania onde quer que ela desgrace homens e nações, principalmente na América Latina", disse Ulysses.
Considerado um grande orador, seja de discursos improvisados ou escritos, Ulysses Guimarães fazia a diferença entre os demais parlamentares. O deputado, que viveu grande parte da sua vida política como opositor da ditadura, sempre colocava o tema em suas falas. "A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa, ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da pátria. Conhecemos o caminho maldito: rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio, o cemitério. A persistência da Constituição é a sobrevivência da democracia", discursou Ulysses.
No discurso que encerrou a Constituinte, Ulysses Guimarães lembrou Tancredo Neves, falou sobre o compromisso cumprido pelo então presidente José Sarney, que fazer a convocação para que fossem feitas as novas leis brasileiras. Ressaltou que a própria Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu que a Carta Magna do país era a mais completa em legislação voltada para o meio ambiente. "Não é a Constituição perfeita, mas será útil, pioneira, desbravadora. Será luz, ainda que de lamparina, na noite dos desgraçados. É caminhando que se abrem os caminhos. Ela vai caminhar e abri-los. Será redentor o caminho que penetrar nos bolsões sujos, escuros e ignorados da miséria", disse o deputado.
Mas foi o término do discurso que mais emocionou. Ulysses lembrou de fatos históricos, ressaltando que todos eles tinham relação com a sociedade atual. "O Estado autoritário prendeu e exilou. A sociedade, com Teotônio Vilela, pela anistia, libertou e repatriou. A sociedade foi Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram. Foi a sociedade, mobilizada nos colossais comícios das Diretas já, que, pela transição e pela mudança, derrotou o estado usurpador", discursou o presidente da Constituinte, repetindo as mesmas palavras com as quais iniciou seu discurso: "A Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Nação vai mudar. A Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à mudança. Que a promulgação seja nosso grito: mudar para vencer".
Um protesto na tribuna da Câmara rendeu ao deputado Guerra (DEM-PR) a aprovação de um projeto que seria colocado entre as leis ordinárias e talvez nunca entrasse em vigor. O parlamentar, que é médico, defendia a licença paternidade, depois de ver dezenas de mulheres sofrerem após o parto, sem que o marido estivesse por perto. Ele próprio vivenciou esse drama. "Por estar ao lado de minha esposa, que teve problemas de saúde após o nascimento de minha filha, cheguei atrasado no plenário, justamente quando a deputada Rita Camata (PMDB-ES) defendia a licença maternidade", contou Alceni, que na época chegou a ser motivo de chacota dos seus colegas, incluindo Ulysses Guimarães. "Ele (Ulysses) chegou a me pedir para não apresentar o projeto", ressalta o deputado.
Mesmo sendo motivos de gozação de seus colegas, Alceni decidiu ir à tribuna. "Não estava inscrito e não queria falar, mas as colocações bem-humoradas, e as considero, senhor presidente, um pouquinho exageradas neste momento, que provocaram o riso desta Assembléia, me obrigaram a vir à tribuna defender uma emenda que considero da mais alta seriedade", disse o deputado, ao iniciar se discurso de improviso. Alceni começou a relatar casos que atendera como médico. "Só sei o quanto é importante nesta hora para os demais filhos a presença daquele que junto com a mulher gerou um filho", disse, para em seguida relatar seu próprio drama.
"No dia 14 de dezembro de 1987, quando nasceu minha filha Ana Sofia, para minha infelicidade, minha mulher esteve à beira da morte e passou três semanas imobilizada no leite por um acidente anestésico. Não havia no mundo naquele instante nenhuma Assembléia Nacional Constituinte, nenhum emprego, nenhum patrão, nenhuma força do mundo, nada que me tirasse do lado dela e dos meus filhos. Por algumas semanas fui pai dedicado, amigo, aprendi a brincar, reaprendi a pintar, a cantar, a acompanhar meus filhos e minha esposa. Mão na mão. Mão de marido, de pai, de companheiro, do homem responsável", relatou Alceni. "Recebo com humildade a chacota e as gargalhadas, mas quero que os senhores saibam que é uma emenda séria de quem viveu durante toda a sua vida esse problema". A partir disso, as gozações se transformaram em aplausos e a licença paternidade foi aprovada por 377 votos.