Politica

20 anos de Constituição: Arapongas de olho na Constituinte

Relatórios do SNI mostram que serviço de inteligência espionou elaboração da nova carta

postado em 28/09/2008 06:00
As articulações da Assembléia Nacional Constituinte foram acompanhadas de perto pelo Serviço Nacional de Informações (SNI), órgão de inteligência do governo. Relatórios obtidos pelo Correio mostram com detalhes que os arapongas relatavam à Presidência da República conversas, posições e tendências dos parlamentares. Os espiões relatavam também as movimentações da campanha por eleições diretas para presidente. Em documento datado de 3 de março de 1988, os agentes afirmam que fica claro o fato de que as esquerdas estavam ganhando mais espaço nos trabalhos da Constituinte e, por extensão, no Congresso. Os principais alvos dos arapongas eram os parlamentares da oposição, ou ;esquerdistas;, como eles costumavam escrever. O deputado José Genoíno era um deles. Identificado nos documentos como JGN, iniciais de seu nome completo, o ex-guerrilheiro só perdia em citações para o presidente da Constituinte, Ulysses Guimarães. O veterano deputado era considerado pelos espiões como ;fraco para presidir as votações;. As citações sobre ele eram constantes, algumas vezes, até irônicas. ;A ameaça do aparecimento do buraco negro, neste parágrafo, perturbou o processo de votação na ANC (Assembléia Nacional Constituinte), fazendo sentir a falta de firmeza que caracteriza as sessões presididas pelo deputado Ulysses Guimarães;, diz um dos relatórios. Apesar de os relatórios deixarem claro que o destino dos dados era a Presidência da República, o ex-presidente José Sarney, que liderou o país entre 1985 a 1990, nega que a vigilância fosse realizada por ordens suas. ;Quando fui presidente tirei do SNI as funções de fiscalização. Coloquei-o mais para analisar a política externa. Nunca mandei que fizessem isso. Mandei cortar toda essa parte de interferências;, diz o hoje senador. Sarney, no entanto, admite que a fiscalização dos movimentos dos constituintes poderia acontecer sem a sua conivência. ;Tem muita coisa que acontece no governo que a gente não sabe. Mas meu temperamento não é de utilizar grampos;. Parlamentares que participavam da Constituinte desconfiavam que eram monitorados, mas raramente conseguiram provas. O deputado José Genoíno (PT-SP) é um caso a parte. Em 2001, ele teve certeza de que era vigiado pelo SNI ao pedir um habeas data ; instrumento jurídico que serve para tomar conhecimento de informações pessoais constantes nos registros e bancos de dados de entidades governamentais. No documento, contavam relatórios descrevendo posições políticas e conversas que manteve com outros políticos na época. ;Quem viveu a ditadura desconfiava sempre de tudo. Mas tive a certeza de que era monitorado quando li os relatórios a meu respeito. Eram detalhes de conversas, discursos e descrições sobre o que eu pensava e defendia. Ainda bem que sempre falei pouco ao telefone;, conta. Alvos Uma das maiores preocupações dos espiões era com a possibilidade de haver maior participação popular na Constituinte. ;Além da coleta de assinaturas, diversas entidades pretendem mobilizar a população de outras formas;, diz uma das resenhas, que analisa uma reunião feita em Porto Alegre pelo então presidente da OAB, Márcio Thomaz Bastos, que depois seria ministro da Justiça durante o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com a posse dos deputados, a espionagem passou a ser feita dentro do Congresso. A primeira providência foi analisar os eleitos. Um dos objetivos era saber quem recebera apoio de grupos religiosos. ;A Igreja Católica, através da imprensa, negou que tivesse assumido qualquer candidatura nas eleições de 15 de novembro de 86. No entanto, apurou-se que a instituição apoiou os candidatos AAMF, ABV, FR, FON e OA, todos eleitos;, diz um informe de 19 de fevereiro de 1987, que identifica os parlamentares apenas pelas iniciais. Além de espionar, o SNI procurava defender seus interesses. Uma análise feita em 2 de fevereiro de 1988 mostra que os arapongas tentaram influenciar no processo de votação do capítulo que trata dos direitos e garantias individuais e coletivos. O SNI preparou uma proposta e usou um deputado para encaminhá-la. O objetivo era restringir os direitos dos brasileiros. O texto dizia: ;Os direitos individuais só têm sua amplitude cerceada pelos limites dos direitos da sociedade e pela obrigação do Estado em mantê-los;. Com isso, o governo ainda poderia manter controle, de várias formas, sobre a população. E os arapongas reconheceram isso. ;Cercear, de qualquer forma, o direito à privacidade, o sigilo das comunicações e da correspondência e o direito de acesso à informação e ao habeas data não é assunto do agrado de qualquer parlamentar;, diz o documento do SNI, referindo-se à rejeição que o texto sofrera.

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