postado em 18/11/2008 08:16
No tortuoso caminho de negociações políticas para tentar sentar na cadeira de presidente da Câmara dos Deputados, os candidatos estão prometendo trabalhar a fim de amenizar a proibição de contratar parentes imposta pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Para isso, já começaram a colecionar casos que acreditam ser exceções à regra e querem provocar um novo debate tanto na Corte quanto no Parlamento. A intenção ; não declarada ao público, mas bem conhecida dos parlamentares eleitores ; é criar brechas para garantir a permanência de alguns parentes de políticos nos cargos públicos que ocupam. ;A lei deve ser cumprida. Mas não há dúvidas de que alguns casos representam exceções e devem ser vistos e interpretados como tal. Não é justo, por exemplo, que um servidor no cargo há mais tempo do que tem o parlamentar de mandato perca o emprego porque o parente foi eleito;, analisa o deputado Ciro Nogueira (PP-PI), pré-candidato à vaga de presidente. (Leia mais sobre suscessão na Câmara na página 6)
O caso citado pelo pepista não é isolado. Levantamento feito por um assessor legislativo mostra que pelo menos 20 deputados informaram à Mesa Diretora possuírem parentes empregados em gabinetes de colegas e lideranças partidárias, mas alegaram que não tiveram nenhuma interferência nas nomeações. Alguns garantiram até que a nomeação do funcionário antecedeu à posse como parlamentar. ;Não conheço casos específicos. Mas, em tese, não é justo que um parente que já estava empregado seja punido pela vitória eleitoral de alguém com quem mantém vínculos familiares. É preciso que se faça uma releitura da súmula do STF de modo a evitar injustiças;, diz o deputado do PR Milton Monti (SP), que tenta consolidar sua candidatura esta semana.
Ações no STF
Para tentar acalmar os ânimos de parlamentares e parentes que alegam ser exceções, o primeiro-secretário da Casa e pré-candidato à Presidência, Osmar Serraglio (PMDB-PR), defende que o departamento jurídico da Câmara apresente ações questionando o Judiciário sobre alguns dos casos peculiares vividos por eles. Segundo ele, o texto atual da súmula causou um efeito colateral grave, visto que os parentes empregados no serviço público que não são indicação dos parlamentares estão tendo de deixar os cargos. ;Dessa forma, eleger-se vai atrapalhar a vida dos parentes. Segundo a decisão do Supremo, uma pessoa vencer a eleição pode resultar no desemprego de um monte de gente que já estava nos cargos antes. Isso deve ser rediscutido. A direção-geral da Casa deve, inclusive, apresentar questionamentos nesse sentido;, defende o peemedebista.
Outro candidato do PMDB na briga para ocupar o mais alto cargo da Câmara, o deputado Michel Temer (SP), não retornou o contato da reportagem. Relato de deputados eleitores, no entanto, dão conta de que a rediscussão da súmula do STF tem sido uma promessa freqüente do candidato durante conversas em busca de votos.
Votação
Como em qualquer campanha, a de presidente da Câmara também tem seus momentos de promessas eleitorais. Uma delas é a de que todos os candidatos garantem que, se eleitos, vão colocar em votação uma lei que regulamente a Constituição, editando novas regras para a contratação de parentes. Dessa forma, agradam aos eleitores que querem anular os efeitos da determinação do Supremo por considerá-la radical demais. ;O ideal é que a Câmara trate desse tema. Legislar é o nosso papel;, diz Ciro Nogueira. ;A Casa precisa regulamentar essa questão constitucional. Somente assim a regra será elaborada por quem realmente deve cumprir esse papel;, destaca Miton Monti.
Em defesa da abertura de um novo debate sobre os efeitos da norma do STF, Serraglio pretende estender a discussão à possibilidade ; já analisada por ministros do STF e pleiteada por senadores ; de limitar a proibição de contratar parentes apenas aos órgãos da mesma esfera de poder.
Algumas dúvidas
- Um deputado que acaba de ser eleito tem um parente que trabalha em um órgão público federal no estado há 10 anos. Ele deve ser demitido?
- Um parlamentar eleito no último pleito tem um sobrinho lotado no gabinete da liderança de outro partido há sete anos. Diante da vitória eleitoral do tio, o sobrinho deve ser demitido?
- Seria possível limitar a proibição de contratar parentes em órgãos de outro poder e em outra instituição, mesmo deixando claro que o nepotismo cruzado é vedado?
ENTENDA O CASO
Três anos de debate
O debate sobre o fim do nepotismo no serviço público começou em 2005, quando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) baixou uma resolução proibindo a contratação de parentes no Judiciário. O conselho deu prazo até janeiro de 2006 para que familiares de juízes e de servidores com cargos de direção fossem exonerados de funções comissionadas e gratificadas.
Houve resistência e muitos tribunais começaram a questionar a decisão na Justiça. Em fevereiro de 2006, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para confirmar a validade da resolução do CNJ. No mesmo mês, o STF manteve a decisão em caráter provisório. No dia 20 de agosto deste ano, o Supremo ratificou a legalidade da decisão do CNJ. E estendeu o veto ao nepotismo aos poderes Legislativo e Executivo, editando uma súmula vinculante.
Além de vedar a contratação, sem concurso, de parentes no serviço público, os ministros decidiram pôr fim ao chamado nepotismo cruzado, a troca de favores em que um servidor público contrata o parente do outro e recebe, em troca, a nomeação de familiares. Após a decisão do Supremo, o então advogado-geral do Senado, Alberto Cascais, elaborou um parecer que abria brechas para poupar parentes de senadores e de diretores da Casa.
Ele caiu depois que o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, questionou na Justiça a resolução aprovada com base no texto feito por ele. Irritado, o presidente do Senado, Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN), determinou que o nepotismo fosse banido da Casa. Até o fim de outubro, 87 parentes haviam sido exonerados no Senado. Na Câmara dos Deputados, 102 familiares de deputados foram demitidos no mesmo período.