Politica

Frei Chico: "Torturadores não são dignos de estarem impunes"

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postado em 01/12/2008 07:00
Irmão mais low profile do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o sindicalista José Ferreira da Silva, o Frei Chico, na quarta-feira passada, em Brasília, gravou um longo depoimento sobre a morte do operário Manoel Fiel Filho, assassinado em 17 de janeiro de 1976 nas dependências do 2º Exército. Personagem do documentário "Perdão, Mr. Fiel", do jornalista Jorge Oliveira, Frei Chico relata as prisões de metalúrgicos e sindicalistas do ABC durante a onda de repressão aos militantes do antigo Partido Comunista Brasileiro (PCB), em 1975. No depoimento, ao qual o Correio teve acesso (veja trecho em vídeo abaixo), Frei Chico relata como foi a onda de prisões, denuncia a ação coordenada dos órgãos de segurança dos regimes militares da América do Sul com apoio do governo dos Estados Unidos e defende a punição dos torturadores. " Não são dignos de estarem impunes. Do meu ponto de vista, não deveria haver anistia para essa gente. Você pode ter anistia no confronto político, num confronto de guerra, mas não era o caso. O elemento já estava detido pelo Estado, totalmente imobilizado. Isso é banditismo, assassinato", argumenta. Documentário Frei Chico gravou seu depoimento para o documentário sobre a vida e a morte de Manoel Fiel Filho (veja cenas do filme no podcast) em Brasília, antes de uma visita ao irmão presidente da República, na quinta-feira à tarde. Depois, falou ao Correio. "Não quero dar entrevistas só porque sou irmão do presidente da República. Você não tem idéia do assédio que a gente sofre, toda hora alguém vem pedir alguma coisa, fazer uma proposta, é um inferno", reclama. "Já pensei até em andar com um gravador por causa disso. Quando a gente menos espera, vem um antigo conhecido com uma proposta maluca", lamenta. Sindicalista, ex-integrante do Comitê Central do PCB, um dos responsáveis pela entrada de Lula no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Frei Chico reconhece que nunca exerceu influência política junto a ele. Com Lula na Presidência, sua grande preocupação é com os demais irmãos. "O que fizeram na casa do Vavá foi um absurdo", reclama, a propósito de uma operação de busca e apreensão da Polícia Federal na casa de Genivaldo Inácio da Silva, um dos irmãos, por suposto envolvimento com lobbistas. No documentário, além de Frei Chico, são entrevistados os "brasilianistas" John Green e Jordan Yong, os ex-presidentes José Sarney e Fernando Henrique Cardoso, o metalúrgico Antônio Flores, cujo codinome era "Fiori", com o qual Fiel Filho foi confundido, e o jornalista Paulo Markun, preso juntamente com Vlamidir Herzog, jornalista morto no DOI-CODI. Também é entrevistado o filho do general chileno Orlando Letelier, Juan Pablo, assassinado em Washington por agentes da Dina, a polícia política do regime de Pinochet. "O objetivo do filme é mostrar que o assassinato de Manoel Fiel Filho, um simples operário, foi parte de uma grande operação de repressão coordenada pelo governo dos Estados Unidos e que envolveu todos os regimes militares", explica Oliveira. Por isso, o título do documentário é uma frase de Yong, ao falar sobre a atitude que o governo dos Estados Unidos deveria tomar em relação ao seu envolvimento com a repressão política no Brasil. A viúva de Manoel Fiel Filho, Teresa, peça fundamental na reconstituição dos principais momentos da vida de Manoel Fiel Filho, relata o que aconteceu no dia de sua morte. No sábado, às 22 horas, um desconhecido, dirigindo um Dodge Dart, parou em frente à sua casa e, diante dela, duas filhas e alguns parentes, disse secamente: "O Manuel suicidou-se. Aqui estão suas roupas." Em seguida, jogou na calçada um saco de lixo azul com as roupas do operário morto. Teresa, então, começou a gritar: Vocês o mataram! Vocês o mataram". Essa cena é reconstituída no filme. Trecho do filme "Perdão Mr. Fiel" de Jorge Oliveira e
Frei Chico no filme "Perdão Mr. Fiel"
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Como você ficou sabendo da morte de Manoel Fiel Filho? Fiquei sabendo pelos jornais. Depois, a gente se comunicou com os companheiros antigos do partido (Partido Comunista Brasileiro). A repercussão na imprensa não foi tão grande como a do Herzog, mas para nós foi muito pesado. Na nossa cabeça, a repressão tinha diminuído, em virtude da pressão que houve por causa da morte de Herzog. Mas aí, de repente, morre mais um operário. Foi complicado. Ele era militante do PCB? Qual era a presença dos comunistas nos sindicatos? Eram poucas pessoas, mas representativas. Era um pessoal mais qualificado, que fazia todo esforço para organizar os trabalhadores. Eram poucos por empresa, mas ativos. Tinha companheiros na Mercedes, na Ford, na Wolkswagen, na Confab, na GM e outras fábricas no ABC e da Grande São Paulo. O pessoal se reunia e discutia como se colocar nas assembléias, se preparava melhor. Quando começaram as prisões no ABC? Começaram logo após o golpe militar de 1964. Houve prisões em 1967; depois, em 1970, na Wolkswagen. Os companheiros iam para as assembléias nos sindicatos, falavam. Havia muita provocação. Ligada à Igreja Católica, a Ação Popular que era muito radical. Aí não dava outra, o pessoal se expunha muito. O Lúcio Belantani (líder sindical comunista do ABC, preso na mesma época), por exemplo. Os companheiros da Ação Popular também foram presos, principalmente em Diadema. Nos anos 70, alguns desapareceram. É verdade que a filha do Prestes com a Olga Benário, Anita Leocádia, atuava clandestinamente no ABC? Nunca a vi pessoalmente, mas tinha informação de que ela dava assistência à base da Wolkswagen no começo dos anos 70. Mas as prisões ocorreram principalmente por causa das atividades nos sindicatos. O Paulo Vidal, por exemplo, que era o presidente do Sindicato na época, chegava na assembléia e dizia: "o comunista aqui sou eu" só pra provocar o nosso pessoal. Ele era do PCB? Não, nunca foi ligado ao PCB. Seu irmão, o presidente Lula, era ligado ao Paulo Vidal? Não. O Lula entrou no sindicato no esquemas do Afonso Monteiro da Cruz, um companheiro que tinha simpatia pelo partido e era ligado muito ligado à Igreja. Cara muito honesto, muito sincero. O Lula foi convencido a entrar no sindicato por um grupo do qual Paulo Vidal fazia parte, mas o Lula nunca teve ligação política com ele. Paulo Vidal não tinha posição política, ele era "eu mais eu". A afinidade política de Lula era com você? Não. O Lula nunca aceitou ser comunista, se ligou ao pessoal da Igreja Católica. Teve muita afinidade com o pessoal ligado ao Amaury Soares, fez curso de casais nessa época. Tinha admiração pela esquerda, mas nunca participou. Pensava pela cabeça dele? Diria que pelas informações que tinha. O Lula lia muito. Na hora que aceitou entrar no sindicato, e não foi fácil ele entrar, teve a primeira tragédia da vida dele, que foi a morte da mulher e do filho que ia nascer. Daí pra frente, cuidou muito da própria formação como líder sindical. Ele lia tudo que aparecia e se informava muito bem sobre o que pretendia fazer. Era um característica dele. Até a minha prisão, por exemplo, ele não acreditava muito que havia aquela repressão. A morte do Manoel Fiel Filho foi outra tragédia para ele. A partir dali, ele passou a ter uma visão melhor da situação. Como foi a sua prisão? Eu não fui preso, fui seqüestrado. Era vice-presidente do Sindicato de São Caetano do Sul. Tomei posse na segunda, no sábado fui seqüestrado. Ninguém sabia onde eu estava. O Lula estava no Japão. Quando ele chegou, foi procurar a gente. Era outubro de 1975. Sofremos uma repressão muito violenta. Foram companheiros de base, ex-dirigentes sindicais, companheiros de metalúrgica, funcionários do Sindicato. Oswaldo Carminati, por exemplo, que trabalhava para o Dieese, foi preso nesse dia com a gente. O PCB foi desmantelado porque o tinha sido um grande articulador da vitória do MDB nas eleições de 1974 e órgãos de repressão já tinham liquidado a luta armada. Precisavam fazer alguma coisa. Isso também virou uma fonte de renda para algumas pessoas dessa área, de sobrevivência até. A morte do Manoel Fiel Filho politizou o movimento sindical do ABC? O que a morte dele nos levou a entender é que a repressão continuava. Mas houve a queda do general (Ednardo D;Ávila Melo, comandante do 2º Exército). A morte dele foi o estopim para dar uma maneirada total na repressão. Para mim, foi a grande salvação. Para os caras, também. O regime militar não podia continuar daquela maneira. Eu acho que a morte do Fiel Filho foi um erro dos torturadores, foi um exagero daqueles caras. Eles eram sarcásticos, torturavam por prazer. Você foi torturado? Muito, mas muita gente foi mais do que eu. Entrou no DOI-CODE, não saia ileso. Tinha um pessoal que se revezava diariamente, era gente pronta para torturar. Era a função deles. Eram preparados, bem treinados, sabiam o que queriam. Eles faziam por prazer. O que eles faziam era tentar desmoralizar o ser humano. Quando o preso chegava ao lugar, já tiravam a roupa. Deixavam pelado, se tinha mulher, ficavam em frente à mulher. Torturavam juntos, a mulher, o homem, faziam um torturar o outro. Quando era para prender alguém, levavam um preso junto, já era para desmoralizar a pessoa. Há uma grande polêmica sobre a anistia para os toturadoress. Qual é a sua opinião sobre isso? Quem rasgou a Constituição não foram os opositores, foram eles. Quem resistiu a isso, era tratado como bandido. Eles rasgaram as leis e acham que nós somos bandidos. O que eles fizeram naquele momento, não só aqui como em toda a América latina, foi uma barbaridade. Não são dignos de estarem impunes. Do meu ponto de vista, não deveria haver anistia para essa gente. Você pode ter anistia no confronto político, num confronto de guerra, mas não era o caso. O elemento já estava detido pelo Estado, totalmente imobilizado. Isso é banditismo, assassinato. Mas houve um acordão na Anistia, aqui no Brasil a gente tem mania de fazer acordo para agradar todo mundo. Você acha que deve haver uma revisão da lei da anistia? Não diria uma revisão, mas pelo menos um acerto, mostrando que o torturador não pode ser beneficiado pela Lei da Anistia. Isso não é revanchismo? Não. Eles romperam com as leis vigentes, isso é reconhecido internacionalmente. José Francisco da Silva, o "Frei Chico", irmão do presidente Lula, fala sobre a militância no Partido Comunista Brasileiro (PCB) e sobre a morte do operário Manoel Fiel Filho, último grande ato da onda repressão na qual também foi assassinado o jornalista Wladimir Herzog

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