Politica

Especial 40 anos do AI-5: Entrevista - Geraldo Vandré

Cantor lembra o cancelamento da apresentação no Iate Clube há 40 anos, não reconhece Lula e afirma que nunca fez música de protesto: ;Era uma crônica da realidade, talvez;

postado em 13/12/2008 07:03 / atualizado em 22/09/2020 11:30

Aos 73 anos, Geraldo Vandré afirma que não sabe quem é o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para ele, a política brasileira depois do AI-5 não existe mais. ;Naquele tempo eu não tinha presidente. Agora você tem, não tem? Eu não tenho. Quero ficar longe dessa realidade que você está;, disse o autor da música Disparada numa conversa de 40 minutos por telefone na terça passada. Ele também reclama do uso público de suas músicas hoje em dia: ;Como tudo mais que as pessoas usam como querem e não pagam nada para ninguém;. E nega que tenha feito música de protesto ao regime militar. ;Era uma crônica da realidade, talvez;. O AI-5 não só encerrou a carreira de Vandré no Brasil, como o transformou num homem solitário, longe dos palcos, recluso num mundo particular, muitas vezes chamado de paranóico pelos amigos. Um mundo com frases desconexas quando fala do presente, mas lúcidas e irônicas ao tratar do passado. Quem foi Vandré? ;Foi um artista, uma pessoa que fazia música, arte, canção popular;, diz ele, para logo provocar: ;Pergunte ao governo quem foi Vandré;. O paraibano e advogado Geraldo Pedrosa de Araújo Dias (Vandré era uma homenagem ao pai) vive em São Paulo, num pequeno apartamento no centro da cidade. Mas não é fácil encontrá-lo em casa. Nos últimos dias, disse estar cuidando da saúde num lugar incerto. É aposentado pelo Ministério da Fazenda, por ter trabalhado na extinta Sunab antes de 1968.

Ouça trechos da entrevista com Geraldo Vandré

O que isso significou o AI-5 na sua carreira? Eu parei ali. Acabou a carreira. Não tive mais carreira. Por que optou por essa reclusão e não voltou mais a cantar? Porque é outro país, não é o meu. Mudou demais. Naquele tempo não tinha presidente. Agora você tem, não tem? Pois, bem. Eu não tenho. Não tinha e continuo não tendo. Eu tenho outras coisas a fazer, eu fui expulso do serviço público por causa dessa canção (Para não dizer que não falei das flores). O que você chama de governo cobra impostos sobre o meu crime. Sou advogado, de outra época, do tempo em que se estudava leis nesse país. Antes havia lei e se estudava leis. Quem foi Geraldo Vandré? Um artista que fazia música brasileira, canção popular. O senhor acha que os jovens de hoje deveriam saber quem foi Geraldo Vandré? Você deveria perguntar isso para o governo deles. Você não tem governo? Pergunta para o governo quem foi Geraldo Vandré. Os amigos dizem que o senhor se fechou. Quem tem mundo particular tem, quem tem não tem. E o show em Brasília, nunca aconteceu? Não. O que o senhor diria para o pessoal que o aguardava para aquele show? Vou fazer um dia esse show. Isso vai ocorrer no seu tempo. E hoje, continua compondo? Estou fora de atividade comercial. Eu estudo música, tenho uma canção que escrevi para a Força Aérea, Fabiana, mas que não foi gravada comercialmente. No passado, o senhor negou que tivesse sido preso ou torturado. É isso mesmo? Essa é a realidade. Vocês querem a do sofrimento. Não vende jornal não, né? O senhor tem músicas guardadas? Isso é secundário. O que é fundamental na sua vida? Ficar longe dessa realidade que você está. E quando o senhor ouve a sua música, o que sente? Quando ouço, gosto do que fiz. Para não dizer que não falei das flores é uma música de protesto? Não existe isso. Tenho que fazer música, interpretar e fazer crítica de arte? Não é música de protesto, é música brasileira. É uma crônica da realidade, talvez. A música ajudou a estimular o AI-5? Não sei, aí tem que perguntar para aqueles que são os responsáveis pelo AI-5. O que o senhor acha do presidente Lula? Não conheço. Por que adota essa postura de dizer que não existe governo? Porque não sou filho de revolução. Não tenho nada a ver com isso. O que o senhor ouve hoje em dia? Eu estudo música, faço escala. Estudar música é uma coisa só. É o exercício de pegar um instrumento e praticar. E televisão? Quase nada, só jornal, alguma coisa disso. Sente saudade dos anos 1960? Tenho muita coisa para fazer, não dá tempo de sentir saudade. Em 1968, o senhor criticou as vaias para o Chico por ganhar Sabiá. Mantém essa posição? O que falei que não tinha cabimento vaiarem o Chico, só isso. Como o senhor vê sua música até hoje sendo tocada e cantada nos bares, inclusive por jovens? Como tudo mais que as pessoas usam como querem e não pagam nada para ninguém. O senhor já foi votou para presidente? Sim. Em quem, pode revelar? Sim, em João Goulart para vice-presidente e no marechal Lott para presidente, em 1960. Depois disso, nunca mais votou? Nunca mais votei para presidente. Qual seu compositor preferido? Temos compositores excelentes, mas atualmente não conheço nenhum. E do passado, quem seria excelente? Tinham muitos, Chico, Vinicius, Tom, Baden. O Naná diz que o senhor queria fazer guerrilha com o violão? Meu caminho não é esse, não, nunca foi. Adaptação para a internet: Abelardo Mendes Jr

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação