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Especial 40 anos do AI-5: Entrevista - Franklin Martins

Militante que aderiu à luta armada, ministro da Comunicação de Lula recorda imagens do período militar, como o discurso que fez a uma turma de formandos: ;Eles vão partir para a noite do terror;

postado em 13/12/2008 07:01
Ministro da Comunicação Social do governo Lula, o jornalista Franklin Martins viveu todas as agruras da oposição ao regime militar e hoje, aos 60 anos, está no centro do poder político. Ex-líder estudantil ; um dos comandantes da Passeata dos Cem Mil, com o ex-deputado Vladimir Palmeira e o atual vice-prefeito do Rio, Carlos Alberto Muniz ;, foi perseguido pelos militares e aderiu à luta armada após o AI-5. Preso no congresso clandestino da UNE, em Ibiúna, em outubro de 1968, saiu da cadeia na véspera de 13 de dezembro do mesmo ano, convicto de que o regime militar marchava para ;uma ditadura terrorista de Estado;. ;Já saí para a clandestinidade, sabia que a onça viria beber água;, disse Franklin ao Correio. ;Fui paraninfo de uma turma do Colégio de Aplicação, uma formatura alternativa. Meu discurso: ;Hoje estão vindo medidas repressivas, a ditadura está rasgando a fantasia, eles vão partir para uma noite de terror;;. Franklin foi um dos autores do seqüestro do embaixador norte-americano Charles B. Elbrick, em setembro de 1969. Depois, viveu no exílio em Cuba, Chile e França, onde se diplomou na Escola de Ciências Sociais da Universidade de Paris. Por duas vezes, voltou clandestinamente para o país, como dirigente do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8). Com a democratização, dedicou-se ao jornalismo, no qual se destacou como comentarista político da TV Globo, onde trabalhou por 10 anos.

Rasgaram a fantasia

Linha dura Na verdade, o AI-5 foi uma resposta ao crescimento da luta democrática. Manifestações estudantis, da intelectualidade, as primeiras greves operárias de Osasco e Contagem, a formação da Frente Ampla, um sentimento crescente de repúdio à ditadura. Na forma como estava organizada, ela não conseguia deter esse movimento. A linha dura ganhou o controle e implantou uma ditadura terrorista de Estado. Antes havia uma ditadura, mas não havia a tortura como padrão. O crescimento do movimento democrático inviabilizou aquela forma de ditadura que era mais ou menos o seguinte: ficava uma linha das Forças Armadas dizendo ;se vocês continuarem a me desafiar, eu abro a porta da jaula e solto os tigres;. Fizeram isso o tempo todo, até que os tigres saíram da jaula. Tigrada Em 1968, havia grupos que defendiam a luta armada. Eu, por exemplo, não defendia a luta armada, estava no movimento estudantil. A luta armada era uma tese com alguma circulação entre setores da esquerda, não era uma realidade política. A realidade política era o movimento de massas lutando pelas liberdades democráticas. Tanto que o pretexto utilizado pela tigrada para sair da jaula foi o fato de um deputado ter feito um discurso que a ditadura considerou hostil e a Câmara não deu licença para ele ser processado. Golpe O Passarinho e o pessoal dele deram um golpe de Estado%u2026 Fecharam o Congresso, cassaram, fizeram um expurgo nas Forças Armadas, fecharam sindicatos, associações. Existe um pouco a idéia de que não havia ditadura antes do AI-5, mas não é isso que aconteceu. Era ditadura desde o 1º de abril. Mas, na medida em que foram perdendo apoio, foram fechando cada vez mais. A partir do AI-5, foram para o terrorismo aberto. Tragédia O AI-5 é um dois momentos mais trágicos da vida brasileira, porque é o momento quando quem está controlando o aparelho de Estado decide usá-lo de uma forma terrorista contra a oposição. Nós tivemos centenas de mortos, milhares de torturados, milhares de exilados, durante anos ficou interditado qualquer tipo de ação legal. Isso é o lado negro. Existe um lado positivo, que não é fruto das pessoas que fizeram o AI-5. É que o povo brasileiro resistiu ao AI-5. E foi encontrar as formas para derrotá-lo. Torturadores A revisão da anistia para os torturadores é uma questão que não cabe ao governo definir. Se a anistia está prescrita ou não é uma questão para o Judiciário. Eu só digo duas coisas: primeiro, para esquecer um fato como esse é preciso lembrar dele sempre. Segundo, eu vivi clandestino durante a ditadura. Hoje em dia, posso falar sobre tudo o que eu fiz para os meus filhos e os meus netos. O dramático é que existem pessoas que mataram e torturam que hoje vivem na clandestinidade, que não falam sobre isso porque não conseguem ajustar contas com a sociedade.
Passeata dos Cem Mil - 26/06/1968 - Rio de Janeiro



Prisão de estudantes no congresso clandestino da UNE, em Ibiúna (SP), em outubro de 1968
Adaptação para a internet: Abelardo Mendes Jr

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