postado em 07/01/2009 09:05
A Operação Navalha, investigação da Polícia Federal que resultou no maior processo criminal em número de réus dos Tribunais Superiores do país, tornou-se uma romaria de pedidos endereçados ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). É o que revelam as decisões do processo tomadas pela relatora do caso, ministra Eliana Calmon. Há um variado cardápio de cobranças dos 61 denunciados. Eles pedem a liberação de bens bloqueados, como imóveis para bancar tratamento de saúde de quem perdeu o cargo, fazendas, carros de luxo e uma lancha. E até dinheiro para quitar salários atrasados de empreiteira subcontratada pela Gautama, cujo dono, o empresário Zuleido Veras, foi apontado pela Polícia Federal como o principal responsável pelo desvio de recursos em obras públicas em nove estados.
Realizada em maio de 2007, a ação policial apreendeu em casas e escritórios de envolvidos no esquema 38 veículos e, em espécie, um total de R$ 1,3 milhão, incluindo aí dólares, euros, libras, pesos e francos. Na ocasião, a ministra Eliana Calmon, responsável pelas decisões do caso, congelou bens e contas bancárias de investigados e de empresas. Foram detidas 46 pessoas, entre ex-governadores, secretários estaduais, prefeitos e lobistas.
O bloqueio e o congelamento de bens são usados em investigações para garantir futuramente o ressarcimento de recursos públicos em casos de condenação. Salvo exceções apreciadas caso a caso pela Justiça, entretanto, a medida deve durar três meses até a denúncia do Ministério Público. Como no caso da Navalha a demora foi maior, de um ano, os envolvidos promoveram uma enxurrada de recursos pleiteando a devolução de bens ao STJ. E o processo, sem decisões durante o recesso, ainda pode sair da Corte em fevereiro (leia texto abaixo).
Um dos maiores recorrentes à Corte foi o empresário Zuleido Veras, dono de um patrimônio pessoal de mais de R$ 10 milhões, construído, segundo a PF, a partir de fraudes. Um mês depois da operação, a ministra Eliana Calmon excepcionalmente autorizou a venda de um terreno do empreiteiro para pagar salários da Gautama. Em março passado, liberou o repasse de lucros da Ecossama, uma subsidiária da Gautama, para ;amenizar as dificuldades financeiras; da empresa-mãe.
Eliana Calmon liberou ainda, em maio de 2008, a venda das fazendas Jaboticaba e Limoeiro, localizadas a 200km de Salvador, a capital baiana, estado-sede da Gautama. Nas propriedades, havia 500 cabeças de gado e cavalos de raça em estábulos. Um mês antes, a magistrada havia liberado a venda da lancha M. Clara, avaliada em R$ 3 milhões. Foi nessa lancha, aliás, que a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, passeou, em novembro de 2006, na companhia do então eleito governador baiano, Jaques Wagner (PT). À época, Dilma disse que não sabia que a lancha era do empreiteiro.
Rotina
Até pouco tempo atrás, o caso havia registrado 1.902 movimentações, incluindo pedidos de desbloqueio de bens, respostas a habeas corpus e outros incidentes processuais. ;A ação penal será demorada pela complexidade, pelo número de denunciados e pela atuação procastinatória das defesas, o que, entretanto, não retira a responsabilidade patrimonial do causador do dano, ao responder com o seu patrimônio;, afirmou a ministra do STJ, em uma das decisões. Por meio da assessoria, o STJ disse que os pedidos são normais e fazem parte da rotina processual.
Tantos foram os pedidos que até a delegada Andrea Tsuruta, responsável pelas investigações, fez o seu. Seguindo o exemplo do seu ex-chefe do setor de Inteligência da PF, Renato Porciúncula, que levou para a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) um BMW X5 de um traficante para dirigir, a delegada queria rodar no Citroën C5 do ex-governador maranhense José Reinaldo Tavares, preso na Operação. A delegada argumentou ao tribunal que o carro apreendido de R$ 110 mil seria utilizado em ;atividades de inteligência; e poderia se deteriorar se permanecesse parado. A ministra do STJ negou o pedido em agosto passado, ressaltando que o carro pode ser ;objeto do crime; ; um lobista ligado a Zuleido, segundo a PF, pagou o carro do ex-governador. O veículo continua bloqueado.
RS 1,3 milhão foi o valor apreendido em espécie pela Polícia Federal
Ação pode sair da Corte federal
Depois de dois anos no Superior Tribunal de Justiça (STJ), ninguém arrisca qual o futuro do processo decorrente da Operação Navalha. São três caminhos. O primeiro é continuar por lá. O segundo é descer, caso a Corte Especial, principal colegiado do STJ, decida na volta do recesso remetê-lo a instâncias inferiores depois que o Tribunal de Contas do Estado do Sergipe (TCE-SE) aposentou compulsoriamente o conselheiro Flávio Conceição Neto. A terceira via seria a ação subir para o Supremo Tribunal Federal (STF), como querem alguns advogados de réus, argumentando que a Corte indevidamente investigou ministros e parlamentares.
Entre os 61 denunciados, apenas Flávio Conceição mantém o processo no STJ. As assembléias legislativas de Alagoas e Maranhão não autorizaram a Corte investigar seus respectivos governadores, Teotônio Vilela (PSDB) e Jackson Lago (PDT). Na prática, essa condição, prevista em lei, congelou o processo contra ambos.
Em setembro passado, porém, o TCE-SE decidiu aposentar Flávio Conceição. A PF acusa-o de receber propina para favorecer a Gautama na época em que ele ocupou a Secretaria da Casa Civil do governo João Alves. Ele, que ainda recorre da aposentadoria na Justiça, nega favorecimento. ;O caso vai ficar no STJ porque a aposentadoria de Flávio foi ilegal;, afirma o advogado dele, Gilberto Vieira.
Mas o caso pode cair também. Desde 2000, o STJ e o STF têm vários precedentes de processos que desceram por causa da aposentadoria compulsória de investigados, como é o caso de Flávio Conceição. E ainda subir. Advogados de alguns réus contaram ao Correio que já questionaram judicialmente a competência da Corte no caso uma vez que, sustentam como um dos exemplos, o ministro Silas Rondeau teria foro no Supremo, mas foi ;investigado pela Corte;.
Diante desse impasse jurídico, o processo do STJ, relatado pela ministra Eliana Calmon, não tem previsão de quando a ação será julgada. Comparativamente, o processo do mensalão, em curso no Supremo e com 20 réus a menos, deve ser decidido em 2011 ; entra em breve na fase das testemunhas de defesa. No caso da Navalha, nem sequer foram arroladas as testemunhas de acusação. (RB)